Percebemos que a memória dos piores tempos do século XX está bastante turva quando constatamos que, na Alemanha, um partido de extrema-direita com vários saudosistas do nazismo elege 93 deputados para o Bundestag. Parece, no mínimo, esquisito que isto aconteça no país mais rico da Europa, praticamente sem desemprego, líder da União Europeia e um dos que mais beneficiou da economia global. Torna-se mesmo chocante quando isto se passa no país que, seguramente, guarda no baú das suas piores memórias coletivas, o nazismo que arrasou com a Europa há menos de cem anos.

Ao contrário do que tantas vezes nos querem fazer crer, o voto é muitas vezes mais motivado por questões irracionais do que por meros dados económicos ou objetivos. Um dos principais fatores de perturbação das democracias é o medo. O medo do terrorismo e de outras formas de violência; o medo do desemprego ou da mera concorrência no emprego; o medo da perda de valores históricos e culturais; o medo da perda de identidade de uma nação. Podemos ou não concordar com a razão desses medos, mas são inegavelmente medos legítimos das pessoas e que os políticos têm que entender e procurar dar respostas equilibradas, sob pena de, mais tarde ou mais cedo, vencerem as respostas desequilibradas.

A verdade é que, regra geral, esses medos têm vindo a ser desprezados pelos partidos tradicionais de poder e, portanto, a sua exploração tem sido uma via aberta ocupada pelos partidos mais radicais e pelos políticos mais populistas. Se até há bem pouco tempo estas tendências não tinham ambições de poder realizáveis, a verdade é que a via verde criada pela ausência de respostas dos partidos “normais” os tem trazido para os centros de poder das democracias.

Também por pressões dos extremistas do outro lado (os de esquerda) criou-se na Europa a ideia de que, por aqui, tudo é permitido, exceto tocar nos direitos laborais adquiridos. E o problema é que há vários sinais das democracias europeias que demonstram que existe uma camada relevante de eleitores (provavelmente mais silenciosos) que não se revê numa ideia de Europa excessivamente aberta às imigrações, totalmente tolerante com o multiculturalismo sem regras e que, do ponto de vista dos costumes, tudo aceite.

As políticas públicas devem incentivar a melhoria da nossa vida em comunidade e potenciar os “bons valores”, mas não podem dar passos maiores do que as pernas dos eleitores conseguem suportar. Às vezes é necessário mais tempo, mais educação e informação para que os eleitores percebam o alcance de determinadas decisões e parece-me que isso, muitas vezes, tem faltado nas democracias europeias.

É imperioso que os partidos moderados do centro democrático entendam e deem resposta a estas questões, a estes medos, sob pena de as tendências extremistas continuarem a impor-se com tudo o que de nefasto isso pode significar.