1. No dia de hoje o governo da Catalunha declarará unilateralmente a independência. O presidente do governo garantiu que o fará com tudo o que isso representa, enquanto a sua número dois veio dizer que é apenas um acto simbólico. Em que ficamos?
Não é preciso muito para ser perceber que o referendo foi uma absoluta fraude, sem qualquer validade legal. Da contradição legal de que enferma à pergunta que encerra, ao descontrolo e viciação do processo, só resta mesmo a arma política e simbólica que os separatistas forjaram. Já se compreendeu que cavalgarão este embuste na expectativa de obrigar o Governo central de Espanha a agir, a fazer cumprir a lei e a garantir a unidade nacional. Curiosamente, os apaniguados dos separatistas zangam-se furiosamente com o estado de direito democrático, borrifam-se para o interesse colectivo de Espanha, desprezam todos os que na Catalunha querem continuar a ser Espanha.
Em Espanha mata-se o toiro na arena, com tudo o que isso significa. Os católicos são fervorosos e os ateus militantes, os monárquicos são convictos e os republicanos resistentes, subsistem falangistas e revolucionários. Franco, com o imenso cardápio de defeitos que averbou, teve contudo a sageza de compreender o país que dominou à força e de preparar uma transição para a democracia ancorada na Coroa e nos democratas moderados. Em 1975, um processo notável de reconciliação nacional assentou num compromisso entre todas as tensões e contradições espanholas.
Depois do terrorismo basco, este golpe político na Catalunha é o segundo grande acontecimento capaz de abalar esta Espanha de compromisso e a sua integridade. Acho que, honestamente, ninguém consegue dizer como terminará, apenas esperar pela supremacia do bom senso e da lei.
2. O Portugal autárquico foi a votos e os resultados foram mais nacionalizados que nunca. Se é verdade que no passado houve quem aproveitasse estas eleições para resolver a sua vida, também é verdade que nunca antecipadamente estas se projectaram como decisivas para a composição do xadrez central da política portuguesa.
Rui Rio, em preparação intensiva desde o momento em que o PSD ganhou as eleições e perdeu a governação, vê chegada a sua hora de forma menos controlada do que quereria, condicionado pela saída desassombrada de Passos. Curiosamente, as mais ou menos recentes reservas do PSD saem de cena à espera de melhores dias, ficando Rio com a criança nos braços e a estrita obrigação de fazer muito mais e muito melhor, cumprindo os padrões exigentíssimos de Pacheco Pereira e Ferreira Leite. No dia de hoje falta ainda saber se, irritado com o baronato e inconformado com a fatalidade das jogadas de bastidores, Pedro Santana Lopes põe em risco o seu conforto pessoal para tentar resgatar o PPD/PSD em que acredita e voltar a fazer aquilo que mais gosta.
3. As mesmas autárquicas nacionalizadas permitiram a Assunção Cristas uma noite de sucesso e o início do seu segundo estado de graça, desta vez com grande mérito seu. Ancorada num excelente resultado em Lisboa, liderando uma equipa de excelência, e na aposta correcta de apoiar sem condições nem intrusão Rui Moreira no Porto, brilhou na noite eleitoral. As apostas e imposições desastradas e desastrosas que fez, a debilidade do partido em áreas importantíssimas do país, a exiguidade do crescimento a nível nacional, foram, como é perfeitamente natural em política, secundarizadas pelos sucessos referidos.
É inegável, por efémero que possa ser, que Assunção Cristas entrou com estrondo em terreno do PSD na capital do país; tem por isso legitimidade política para alavancar o discurso nacional e tirar finalmente o CDS do último lugar em que se arrastou penosamente em todas as sondagens do seu mandato. Independentemente da concordância estratégica ou ideológica, todo o partido saberá respeitar esse seu desafio.
4. Por fim, o fenómeno de aqui falei no meu último artigo, ainda antes de eleições. Sondagens fabricadas, mega-operações de comunicação, establishment activamente incomodado, imprensa desligada, nada foi capaz de tirar a maioria absoluta a Rui Moreira.
Para quem pertence a um partido tradicional, como eu, a campanha de Rui Moreira foi desconcertante. Sessões temáticas com quadros especializados, análises imparciais do que estava feito e do que falta fazer, comícios à antiga onde só se falou da cidade da política para a cidade; nada de inaugurações à pressão, nada de mega outdoors, nada de porcos no espeto ou do circo costumeiro.
Ver que esta abordagem gera vitórias desta dimensão alimenta a esperança na evolução e na qualidade da Democracia. Se Rui Moreira está de parabéns, estão também de parabéns os eleitores do Porto pelo modo como escolhem os seus representantes, separando informação de ruído, apartando a essência da forma, lendo, ouvindo e decidindo sem constrangimentos.
No discurso da vitória, com aspreza pouco esperada, e razão de sobra, Rui Moreira escolheu chamar as coisas pelos nomes, anunciando a vitória do Porto e dos Portuenses e denunciando a estrondosa derrota de quem de tudo fez para que assim não fosse. Naquele dia, naquela noite, Rui Moreira, sozinho, independente, tinha derrotado o PS presente e o PSD futuro. Não se esqueçam disto.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.