Menos de um mês após o golpe de 28 de Maio de 1926, Gomes Cabeçadas, o provisório Presidente da República da Ditadura Militar, viu-se apeado do poder por Gomes da Costa. Mal soube da situação em que Cabeçadas ficou colocado Francisco Cunha Leal, antigo Chefe do Governo e político corajoso, colocou-se de imediato a seu lado e escreveu-lhe uma carta que começava assim: “Como vencedor o senhor não me interessava, mas como vencido (…) interessa-me sobremaneira”.

Nem sempre tenho conseguido guiar a minha vida por este sábio princípio. Mas tenho-o sempre presente. Ele aplica-se à vida política como à vida de todos os dias.  Vem este episódio a propósito de um fenómeno que de tempos a tempos ocorre em Portugal. Quando algum político ou personalidade grada da sociedade ou da cultura sai de cena, ou porque morre ou porque simplesmente vai à sua vida, brota dos que escrevem na comunicação social um espantoso ruído de homenagem. Chegam mesmo a descobrir no finado um verdadeiro odor a santidade. Acontece que nada disso seria de estranhar se em vida do defunto tivesse existido para com ele, ao menos um mínimo de respeito, na pauta desses comentadores.

Falo, como já toda a gente percebeu, de Pedro Passos Coelho e da imensidão de luminárias que nos últimos dias, após a sua renúncia ao cargo, o alcandoraram ao patamar da quase divindade. Mas o que eu pergunto é: onde estiveram eles nos últimos dois anos, ou seja, desde que em fins de 2015 Passos Coelho passou para a oposição? Recordo bem, daqueles que hoje lhe traçam perfis elogiosos, da verdadeira campanha ad hominem que contra ele moveram. E, por confronto, dos ditirâmbicos elogios ao primeiro-ministro António Costa crismado como o génio da estratégia política e o herói do fim da austeridade.

A memória é curta mas suponho não ter havido em Portugal uma campanha mediática tão intensa para denegrir um político (Pedro Passos Coelho) e valorizar outro (António Costa). Essa história far-se-á um dia: de comentadores saneados a manipulações nas redes sociais, passando por fretes de todo o tipo na comunicação social, valeu tudo. Ou seja, o critério de Cunha Leal foi aqui aplicado ao contrário: quando Passos esteve como líder da oposição, e portanto derrotado, não interessava a ninguém (e quase todos o desconsideravam). Agora que sai de cena (e já não mete medo) todos se interessam por ele e o elogio é rei.

Ao fim e ao cabo, embora não me tenha enganado muito na previsão dos resultados autárquicos, a vitória socialista é pífia e a derrota do PSD está longe de ter sido o que esses comentadores antecipavam (e pelos vistos continuam a acreditar ter acontecido). Mas conseguiram o queriam: afastar Pedro Passos Coelho. Estou convicto que o seu afastamento deixará milhares de portugueses órfãos (e sem voz) e o Governo sem verdadeira oposição. Não será certamente a “brigada do reumático”, que se prepara para assaltar o PSD, que incomodará minimamente António Costa. Menos ainda com essa pantomina do alegado “liberalismo” de Passos Coelho que agora seria substituído por um regresso às verdadeiras raízes sociais-democratas do PSD. Mas isso é tema para outra conversa.

 

P.S. Um conjunto de intelectuais da extrema-esquerda (a que se juntaram dois ou três idiotas úteis) decidiu elaborar um manifesto em defesa da Catalunha e ao mesmo tempo colocar uma pedra no interesse nacional. E aqui jazem os restos mentais desta gente… Não lhes passa pelo bestunto que mal a Catalunha se independentize Portugal encolherá no mapa da Península Ibérica e da Europa?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.