Uma das imagens que guardo dos incêndios do último fim de semana é a de dois homens, numa aldeia perdida no interior do país, a protegerem-se do fumo e das cinzas com lenços, e a postos para enfrentar o aproximar das chamas apenas com dois baldes de água.

É uma imagem que reflete em parte a ineficiência de Portugal no combate aos incêndios, devido a décadas de desordenamento das florestas e aposta deficiente na prevenção. E como sucede em muitas catástrofes, o epílogo final não resulta apenas de uma decisão incorreta ou omissão, mas sim de um somatório de erros.

1) O fenómeno do eucalipto: Portugal tem 23% da sua área florestal entregue aos eucaliptos, aproximadamente 760 mil hectares, sendo em termos relativos o líder mundial, à frente de países como a China, Brasil, Índia e Austrália.

Ainda que a indústria nacional da pasta de papel seja um setor que vale todos os anos mais de 2 mil milhões de euros, apresentando um dos mais elevados valores acrescentados, cerca de 70%, este é o momento, em conjugação com todos os intervenientes, de criar um maior equilíbrio entre eucaliptais, o ambiente e a segurança das populações residentes, e de promover um enquadramento jurídico que limite ou condicione a sua plantação.

2) Meios aéreos: Diz a experiência que o setor privado gere melhor que o público, alicerçada numa maior responsabilização direta e na necessidade em rentabilizar os capitais investidos. No entanto, numa área nuclear do Estado como é a do combate aos incêndios, delegar em empresas privadas resulta, para além de uma desresponsabilização das suas competências chave, na criação de incentivos económicos perversos: quantos mais incêndios existirem, mais as empresas faturam.

3) Tecnologia: Hoje em dia existem empresas tecnológicas que recorrem a satélites e a drones para monitorizar a floresta, conseguindo detetar fontes de calor num raio de dezenas de quilómetros. A não contratação destes meios deve-se, muitas vezes, à não cabimentação orçamental por uma ordem de grandeza de 4 a 5 milhões de euros; no rescaldo desta estratégia, há razão para pensar que, neste caso, o barato sai incalculavelmente mais caro.

4) Investigação criminal: Até meados de outubro tinham sido detidos 152 incendiários, face a três mil incêndios registados. Mesmo descontando os atos negligentes, não dolosos e focos múltiplos, existe um número muito elevado de incêndios nos quais ocorre o arquivamento do inquérito. É necessitário dotar a investigação criminal associada a esta área com recursos mais expressivos, para que quem destrói o que pertence a todos nós seja efetivamente responsabilizado.

Ou tomamos medidas e reconhecemos que os incêndios florestais vão muito para além do mediatismo do momento, ou estamos condenados a que os nossos filhos cresçam num deserto pintado a tons de cinzento e preto, chamado Portugal.