Há já meio ano, foi publicada a 5.ª edição do Painel de Avaliação da Justiça na União Europeia. Os dados aí revelados demonstram que, no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal em Portugal, a obtenção de uma sentença em primeira instância demora, em média, quase mil dias. Neste particular, Portugal só é superado pela Itália e pelo Chipre. Já na justiça cível (nos domínios civil e comercial), embora o cenário não seja brilhante, a demora é de cerca de 1/3 daquela que ocorre na jurisdição administrativa e fiscal, ou seja, pouco mais de 300 dias.

A situação é particularmente chocante na jurisdição administrativa e fiscal, uma vez que aí se trata de processos que opõem os cidadãos à Administração Pública, por alegada violação dos direitos daqueles em função de atuações ou de omissões do poder.

As implicações desta realidade são de múltipla ordem. Em primeiro lugar, os atrasos na realização da Justiça fragilizam a posição jurídica do cidadão em face das entidades públicas, colocando-o numa situação de subalternização em face do poder. Não há efetiva igualdade de armas, quando o poder manda e os cidadãos não podem apelar em tempo para os tribunais. De resto, nem a previsão de um regime de tutela cautelar bastante generoso é suficiente para atalhar este problema, uma vez que, também aí, a demora das decisões é perturbadora.

Por outro lado, esta circunstância agudiza as desigualdades no acesso à justiça, na medida em que desencoraja os particulares com menos recursos a litigar contra a Administração Pública, perante a ameaça de processos que se arrastam anos a fio e com custos significativos.

Finalmente, as implicações económicas destes atrasos são um forte desincentivo à realização de investimento em Portugal. A incerteza e a insegurança são inimigos da atração do investimento e nenhum empresário, nacional ou estrangeiro, pode estar tranquilo perante esse cenário.

Quando, em 2002-2004, foi implementada a profunda reforma da justiça administrativa e fiscal em Portugal, adivinhava-se já que o alargamento da litigiosidade inerente ao justo reforço dos poderes processuais dos particulares em face do Estado não era compatível com o figurino modesto do sistema de tribunais administrativos e fiscais então gizado. Ao todo, existem em Portugal 17 Tribunais Administrativos e Fiscais, responsáveis por julgar, em primeira instância, milhares de ações por ano. Esta situação é, aos olhos de todos, insustentável.

É mais fácil escrever os direitos do que garanti-los efetivamente, tal como exige a Constituição ao prever o princípio da tutela jurisdicional efetiva. O nossos sucessivos legisladores são exímios na tarefa de legislar modernamente, como dizia a Lei da Boa Razão no tempo do Marquês de Pombal, segundo os cânones das “nações polidas e civilizadas da Europa”, mas cronicamente menos eficazes e preocupados com a capacidade efetiva de resposta do sistema judicial.

Que não seja preciso esperar mais mil dias até que se altere este lamentável estado de coisas. Existem várias propostas em cima da mesa e relatórios elaborados por especialistas (como o do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa). Destaco apenas as que se prendem com a criação de tribunais especializados na jurisdição administrativa e fiscal (contratação pública; emprego público; IVA, IRC; etc…); com a aposta no reforço da formação especializada dos magistrados nestas áreas do Direito; com a melhoria da plataforma informática que serve esta jurisdição; com o aprofundamento de alguns mecanismos de arbitragem voluntária; com a aposta em assessores dos magistrados para a realização de tarefas instrumentais. Enfim, existem diagnósticos e propostas de solução. É agora o tempo de agir e depressa.