Após as primeiras revelações terem exposto Harvey Weinstein, um dos produtores mais poderosos de Hollywood, como predador sexual que vitimizou dezenas de mulheres ao longo das últimas décadas, as reverberações do escândalo continuam a fazer-se sentir. Todos os dias surgem novos casos de mulheres que escolhem renunciar ao silêncio e expõem o coração do sexismo e misoginia que ainda domina a indústria de entretenimento.
Embora os homens também tenham sido alvo de predadores, foram principalmente as mulheres que pagaram um preço elevado durante muito tempo. A cultura de assédio e violações nos bastidores só durou tanto tempo porque os atacantes se fiavam no medo das mulheres e no dinheiro como arma para silenciar todos os inconvenientes. Não por acaso, atrizes como Rose McGowan — uma das vítimas de Weinstein — têm apelado recentemente à recusa de hush money, indemnizações altas pagas pelos atacantes a troco de acordos de confidencialidade.
Se algo de positivo veio do terramoto Weinstein foi o facto de pôr fim ao isolamento e ao sentimento de culpa. O dique rebentou e as mulheres uniram-se para contar as suas histórias. Ao erguerem as suas vozes em denúncia, criaram ondas de choque e ganharam o apoio da opinião pública que foi altamente crítica em relação a uma elite cúmplice em que “todos sabiam”. Os predadores começaram a cair um a um, em áreas que iam para além de entretenimento, como desporto, política, jornalismo e moda.
No entanto, há o reverso da moeda. Asia Argento, uma das atrizes que revelou que foi assediada por Weinstein quando tinha 21 anos, foi forçada a sair de Itália devido à pressão da comunicação social que a culpou pelos eventos e a humilhou pelo sucedido. Não foi incomum ver muitos a optar por culparem as vítimas, seja porque estas aceitaram encontros em hotéis, seja porque escolheram o silêncio de modo a não prejudicarem as suas carreiras. O slut-shaming ainda tem demasiados adeptos e tem-se abatido com crueldade sobre muitas das mulheres que agora estão na linha da frente das denúncias.
Mas, por mais que se usem táticas condenáveis como slut-shaming e bullying, a cumplicidade e tolerância em relação a estes comportamentos inaceitáveis acabou. A indústria começou a reagir da forma certa, banindo do seu seio todos aqueles conhecidos por atitudes predatórias de assédio.
Em Portugal, ainda temos um longo caminho a percorrer. O acórdão de justiça que causou indignação em todo o mundo e que desculpou a violência doméstica com a Bíblia, devido ao adultério cometido pela vítima, mostrou como as mulheres ainda têm uma posição vulnerável perante um sistema judicial que as castiga em vez de proteger. Que favor prestamos às vítimas se as fizermos sentir abandonadas e sem apoio perante o seu atacante?