O chauvinismo, o preconceito, o machismo ou mesmo o misantropismo – quem vê o mundo assim, não odeia só mulheres, mas sim a própria Humanidade – seria sempre de muito mau gosto em qualquer lado mas é absolutamente proibido em qualquer sentença judicial.
Seria desejável que outros casos, menos coloridos, mas igualmente destilando ódio e preconceito, merecessem a mesma desaprovação pública. O que este caso polémico, incendiário da opinião pública, também demonstrou é que a Sociedade é, ela própria, preconceituosa quando se indigna com a violência sobre as mulheres mas assobia para o lado e aplaude outras sentenças igualmente assentes em juízos de valor e opiniões. É a mesma sociedade que se regozija quando os juízes, por preconceito, maltratam os supostos poderosos e ricos no tribunal ou nos jornais quando – infâmia absoluta! – são “fontes” anónimas de jornalistas. Uma Sociedade que delega nas instituições a fiscalização da Justiça descartando-se dessa responsabilidade, dando por garantida a sua auto-regulação.
O caso da “mulher adúltera” mostra-nos várias coisas:
1. O Conselho Superior de Magistratura, numa primeira reação disse não ter o poder para avaliar as decisões de juízes, dizendo que estes se devem colar à letra da Lei nas suas apreciações, não se pronunciando sobre o absurdo das considerações do juiz da Relação do Porto. Então quem tem? Quando os juízes aplicam o juízo de valor e não o de facto, quem protege as pessoas dos juízes?
2. Um mecanismo de controlo é o facto de os acórdãos serem validados por outro juiz. No caso, uma juíza que diz ter “lido na diagonal” e ratificado por ter confiança no colega. A corporação é, pois, conivente mesmo que inadvertidamente.
3. O órgão plenário do CSM é composto por 17 elementos contando-se entre eles três mulheres. Sim, três. Não deixa de ser irónico que falemos em quotas no Governo, que as imponhamos às empresas, mas achemos, mais uma vez, que, a Justiça está acima de escrutínio.
E porquê? Porque nos convencemos que os juízes não são bem humanos. São semi-divindades de quem se espera um infalível acerto e um equilíbrio perfeito de razão e lei. Um fascínio quase cego. Ora, os juízes são como qualquer outra pessoa. A qualidade do seu trabalho – sem naturalmente colocar em causa a sua absoluta independência – melhorará sempre com adequada fiscalização, supervisão e controlo, prestação de contas (no sentido de accountability).
Os Juízes não deviam prestar apenas contas quando o assunto é polémico e surge nos jornais. O nível que exigimos a Neto Moura deve ser o nível que exigimos sempre. Em qualquer processo. Envolvendo quaisquer partes. Devemos rejeitar uma Justiça fechada, moralista e bafienta. Os juízes, individualmente e no seu conjunto, terão sempre todo o nosso respeito mas serão sobretudo considerados na medida em que legitimem o seu papel basilar no Estado de Direito através de um natural e descomplexado modelo de escrutínio.