O epílogo da edição deste ano da Web Summit mostrou o pior lado da nossa existência e convivência coletivas. Depois de mostrarmos a quem nos visitou uma cidade fantástica, empresas promissoras, e até uma classe política que pareceu preparada e com visão (refiro-me aos discursos proferidos no evento), veio o revelador episódio do jantar no Panteão para não nos esquecermos de quem verdadeiramente somos.
Não interessa para a discussão se uma empresa poder utilizar um espaço no Panteão Nacional para organizar um jantar é certo ou errado. Interessa sim a forma como todos os responsáveis políticos envolvidos lidaram com o tema assim que pressentiram que podia haver indignação pública. A prioridade foi sacudir a água do capote, sendo o passar de culpas entre o atual e o anterior governo, o episódio mais lamentável e tristemente representativo de como se discutem as matérias públicas com potencial repercussão política. Nenhuma das partes reconheceu culpas quando, a haver culpas a atribuir, tudo indica que ambos as tiveram.
Ora, é verdade que o enquadramento legal que permite um jantar no Panteão resulta de um Despacho do secretário de Estado da Cultura do anterior governo. Mas também é verdade que, nos termos desse mesmo Despacho, a autorização para organizar um jantar privado em monumentos públicos não é automática. É à Direção da DGPC, sob tutela do atual Governo, que compete decidir após parecer dos Serviços Dependentes, observando, como princípios gerais, que todas as atividades e eventos a desenvolver terão que respeitar o posicionamento associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido.
Se a necessidade de uma autorização sugere que foi quem a concedeu que tem a responsabilidade pelo evento ocorrido, a questão é que o Despacho em causa contém já um primeiro juízo do que é e não é admissível. No que respeita ao Panteão, encontra-se expressamente prevista a possibilidade de ceder determinadas partes do edifício (o corpo central, o coro alto, a sala azul, o terraço e o adro), para eventos como jantares, cocktails, eventos culturais, académicos e para filmagens sem identificação do local para televisão, cinema e comercial. Há um preçário previamente aprovado para a cedência do espaço para cada uma das referidas finalidades. No caso de jantares no corpo central do Panteão o valor é de 3000 Euros. Outro tipo de eventos, como sejam, infantis, comerciais, desfiles de moda, entre outros, já parecem não poder ser admitidos de todo no Panteão, embora possam ter lugar noutros monumentos.
Ora as críticas ao jantar da Web Summit no Panteão não surgiram por se tratar da Web Summit, mas antes por se poder jantar (no caso, celebrando o fim desta feira internacional) junto aos restos mortais de personalidades portuguesas que ali descansam para sempre. Se é verdade que avaliação casuística e respetiva autorização partiu de órgãos sob tutela do atual Governo, não é menos verdade que o primeiro juízo de admissibilidade resulta do próprio Despacho aprovado pelo anterior Secretário de Estado. Se a Web Summit tivesse pedido para organizar um desfile de moda no mesmo local, a DGPC já não poderia autorizar.
No entanto, entre o passa culpas do costume, pedidos de demissão para se ouvir no telejornal e outros fait divers, ninguém pareceu interessado em analisar verdadeiramente a questão. A única contribuição séria para o debate público do assunto por parte do anterior SE teria sido explicar a razão pela qual previu a possibilidade de se organizarem jantares no Panteão. Como a única contribuição séria deste Governo para o tema teria sido explicar os motivos que levaram a análise casuística deste pedido da Web Summit a permitir aprová-lo, como, pelos vistos, têm sucedido com outros pedidos de outras entidades menos mediáticas.
No fim deste debate público (que nunca teve lugar) teríamos todos uma opinião mais sólida e ponderada sobre se faz, ou não, sentido admitir eventos e que eventos em monumentos públicos, incluindo no Panteão, e ajustar-se-iam as regras se fosse o caso. Assim, certamente que, como já foi anunciado, as regras vão mudar, sem qualquer reflexão prévia de fundo, apenas para assegurar a melhor gestão política do tema. É pena que nos governemos assim. Que não aprendamos com os erros. E que, tudo indica, a próxima crise vá ser gerida da mesma maneira.