Há dois dias, domingo pela manhã, fazia uma caminhada no calçadão da Avenida Atlântica, Copacabana, quando me deparei com aquilo que imagino ser o aparato de rua do carnaval carioca. Não era o carnaval fora de época, era a parada gay de Copacabana, como rapidamente percebi pelas inúmeras bandeiras com as cores do arco-íris e pelas tarjas comemorativas.

Curiosamente, a avenida dividiu-se em três. De um lado, os que trabalham sem parar, na azáfama que trai a reputação do carioca indolente, seguem a sua vida na ânsia de garantir um sustento sempre insuficiente. No lado oposto, junto à orla de areia dourada, os da caminhada dominical de sempre, resolutos, preocupados com a hidratação, com a protecção solar, de olho nas quadras de futevolei. No meio da avenida, as enormes camionetas do trio eléctrico ornamentadas de rosa, de desenhos provocadores e frases pífias debitavam palavras de ordem como “direito à cidadania!”, “trans é legal!”, “Jesus ama os gays!” para indiferença das duas margens que referi.

O aparato policial era enorme. Com ar relaxado, proporcionalmente inverso ao calibre da arma que tem à cintura, um polícia explica-me naturalmente que estão ali em tão grande número, e com tantos meios, porque houve um pacto entre a Rocinha e o Vidigal para dividirem o fornecimento de drogas à parada e teme-se que os senhores de uma das outras favelas não se conformem e tentem furar o esquema, podendo a parada degenerar num banho de sangue. É aqui que damos graças por viver na Europa imperfeita que conhecemos.

Na parada propriamente dita, seguiam em pequenos grupos dispersos homens de tanga dourada e carapinha loira a condizer, mulheres a caminho de homem mimetizando trolhas e mineiros, homens a caminho de mulher com a voz a trair os tacões de agulha e o silicone exuberante, jovens demasiadamente jovens em evocações de bacanais romanos e outras coisas que a minha parca cultura não alcança. Alegria, ainda não havia muita. Talvez os caras da Rocinha e do Vidigal estivessem atrasados.

Por todo o lado, associações, as famosas “ongues”, distribuindo camisinhas, fazendo pedagogia anti-sida, gritando mais palavras de ordem. Os sindicatos juntaram-se à festa exigindo empregos para a comunidade LGBTI (o que é o I?). Isso mesmo: não querem combater a discriminação, querem empregos dedicados! As companhias de seguros estão presentes, os bancos também e até a Uber patrocina um dos camiões. Entretanto, não se vê uma única pessoa de comportamento e aparência normal na parada. Sim, digo isto consciente do incómodo que pode provocar, mas tranquilo, porque a questão aqui é de comportamento público e não de orientação sexual ou de afirmação individual.

O ser humano tem várias dimensões, sendo a sexual apenas uma delas. As dimensões moral, cultural, social e ética devem coexistir harmoniosamente com a dimensão sexual sob pena de desequilíbrio.

Quando olho para este quadro de exageros, de folclore chocante, pergunto-me quantas mulheres e homens gay se sentem confortáveis com esta caricatura. Serão todos altamente promíscuos e ignorantes, precisando daquele bombardeamento de pedagogia condescendente anti-sida? Ouvirão todos o Freddy Mercury, os Village People, a Gloria Gaynor e a Elza Soares em êxtase histérico? Adoram todos plumas e lantejoulas? Têm todos gestos exagerados? Falam todos de modo afectado e padronizado?

Costumo dizer, porque é verdade, que tenho amigas e amigos gay que são muito mais mulheres e homens que muitos heterossexuais que conheço, porque o que realmente importa é o carácter, a tal conjugação equilibrada dos diferentes factores que compõem o ser humano. Perante este circo propositadamente obsceno senti-me indignado pelo anátema que tenta fazer cair sobre quem quer viver a vida em paz e não ser rotulado pela sua sexualidade. O politicamente correcto gosta e alimenta-se destas coisas; eu resisto, prefiro o bom senso, e não passo procuração ao John Holmes ou ao Zezé Camarinha para me representarem enquanto heterossexual.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.