Dois meses depois das últimas eleições legislativas, a Alemanha vive a incerteza de ainda não possuir um governo legitimamente constituído e em funções; e, pior, assiste com surpresa e espanto à rutura das negociações entre os partidos que encetavam conversações em vista da constituição de uma original coligação “Jamaica” – entre democratas-cristão e sociais-cristãos, verdes e liberais.
A partir do momento em que a chanceler Merkel venceu perdendo as últimas eleições legislativas, obtendo mais votos mas ficando longe de obter uma maioria absoluta no Bundestag, sabia-se que seria tarefa difícil e árdua formar o novo executivo de Berlim. Excluída a hipótese de renovação da grande coligação com os sociais-democratas do SPD, e eliminada qualquer colaboração com a extrema-direita da Alternativa para a Alemanha, as soluções resumiam-se a duas: ou Merkel avançava com um governo minoritário, necessariamente instável porque sempre na dependência dos humores da restante oposição, ou tentaria a via da criação de uma original coligação “Jamaica”, experiência nunca tentada a nível federal.
A chanceler rejeitou a primeira possibilidade, restando-lhe uma difícil e estreita estrada para se manter no poder, cheia de escolhos e obstáculos, porque as dificuldades prometiam surgir de todos os lados. Desde logo, de dentro da coligação vencedora – CDU e CSU são aliados históricos mas são dois partidos diferentes e com propostas diferentes em muitas áreas da governação, nomeadamente perante a questão dos refugiados migrantes e perante as questões europeias; em segundo lugar, as divergências entre os dois aliados da coligação vencedora – liberais e verdes têm agendas próprias que conflituam em vários domínios, sobretudo em matéria de fiscalidade, de política ambiental e, uma vez mais, de largos domínios da política europeia; finalmente, as divergências da própria coligação democrata-social-cristã com cada um dos seus parceiros, que teriam de ser aplainadas para se obter sucesso na construção de uma plataforma governamental.
Perante este manancial de dificuldades, a rutura óbvia sucedeu no passado domingo, com os liberais a anunciarem a sua retirada da mesa negocial e o processo de constituição do novo governo a retornar ao ponto de partida.
Não serão muitas as alternativas que se colocam no atual panorama político germânico para quebrar o impasse a que se chegou. Em teoria serão possíveis três soluções, com diferente grau de probabilidade.
A primeira solução passaria pela chanceler Merkel constituir um governo minoritário e com ele apresentar-se perante o Parlamento. Poderia, até, ser investido, mas teria vida dura e difícil pela frente. Além do mais, não será credível que a chanceler aceite hoje aquilo que expressamente recusou no passado recente.
A segunda solução poderia consistir na repetição do ato eleitoral na próxima primavera. É uma solução viável que parece constituir a preferida de Merkel, mas tem contra si dois grandes impedimentos: o Presidente da República, Frank-Walter Steinmeier, já declarou não ser favorável à repetição de atos eleitorais; e, com este intervalo temporal relativamente às últimas eleições, nada garante que os resultados fossem substancialmente diferentes dos alcançados no último sufrágio.
A terceira solução passaria, obviamente, pela indicação da CDU/CSU de outra personalidade, menos desgastada e com menos anticorpos, para a chancelaria de Berlim. Equivaleria, naturalmente, ao encerrar de um ciclo – o ciclo da governação de Merkel. Mas poderia garantir o que Merkel parece não estar em condições de conseguir: a manutenção de uma governação de base e inspiração democrata-cristã na Alemanha. Mas aqui, claro, tudo iria depender, também e sobretudo, do ego de Merkel.
O certo é que, independentemente da solução que venha a ser seguida, é importante que a Alemanha, a primeira potência política e económica da Europa, resolva rapidamente os seus problemas de governação interna. Sem um governo estável em Berlim, não são só os assuntos alemães que se reduzem à mera gestão corrente das pendências de Estado. São, também, as questões e os assuntos europeus mais importantes que são remetidos para a zona de indefinição.
Ora, a Europa não pode estar à espera que a Alemanha resolva os seus problemas internos para tentar retomar o seu caminho de aprofundamento e desenvolvimento. E muitas das questões pendentes em Bruxelas reclamam uma decisão que não pode ficar à espera de Berlim. Seja no domínio social, no plano da segurança e defesa, em matéria de Brexit ou de alterações climáticas – a Europa da União será, em breve, convocada a tomar decisões que exigem, sobretudo dos governos dos seus maiores Estados, uma estabilidade e uma segurança que, no momento, Berlim ainda não pode dar. Por isso, talvez mais do que nunca seja importante uma resposta à questão com que abrimos este texto – quo vadis, Alemanha?