Há um episódio em 2011 que explica grande parte da resistência dos acordos assinados entre os socialistas e os partidos à esquerda, pelo menos no que toca ao Bloco de Esquerda.
Naqueles idos do fim de socratismo, com Passos na oposição, o Bloco teve a “bravata” de ser o primeiro partido a apresentar uma moção de censura contra o Governo minoritário de Sócrates. Depois repetiu a dose e, com o voto contra do que ficou conhecido como PEC IV, ditou a queda do Governo – aqui já com a ajuda do PCP.
Os eleitores mostraram nas urnas o que pensavam desse caminho. Face às eleições anteriores, o Bloco perdeu metade dos votos, metade dos deputados e entrou numa crise profunda. Louçã saiu da liderança, militantes e dirigentes que tinham batalhado por alianças com os socialistas saíram do partido, e só um brilharete de Mariana Mortágua na comissão do BES resgatou o partido de um dos períodos de maior declínio da sua breve história. O eleitorado de esquerda podia não gostar de Sócrates, mas não gostava ainda mais de um PSD com um projecto político e económico ultra-liberal, como veio mais tarde a comprovar-se.
O acordo assinado agora com o PS e o compromisso do Bloco com a manutenção do Governo, apesar de todas as peripécias e casos que assolam o Executivo de Costa, é ainda um reflexo desses idos de 2011. Qualquer partido funciona com incentivos eleitorais e o Bloco não é exceção – parece ter aprendido uma valiosa lição com a condução dos trabalhos na queda de Sócrates. Não havendo uma falha grave que ponha em causa a credibilidade do partido, ou uma queda nas sondagens, o partido deverá continuar a apoiar o Governo. Por isso há condições para que a legislatura termine sem qualquer divórcio à esquerda.
O real entrave a uma continuidade do acordo seria uma crise que empurrasse de novo o país para um período recessivo, com a inerente consequência negativa nas contas públicas – à boleia da queda das receitas fiscais e do aumento dos custos com o desemprego.
Por mais avanços que a tecnocracia europeia se mostre disposta a dar, na sequência da crise do euro, a predominância de um pensamento conservador nas esferas de poder torna previsível que fossem impostas de novo medidas violentas de contenção orçamental.
O delicado compromisso que o PS tem conseguido manter, entre o cumprimento das metas orçamentais e o cepticismo do Bloco e do PCP face às normas comunitárias no que diz respeito às políticas económicas e orçamentais, entraria em colapso. Portugal seria certamente forçado a tomar mais medidas de contenção orçamental, provavelmente ao abrigo de um novo programa de assistência financeiro. O próprio PS poderia entender que não governaria nessas condições. A ‘geringonça’ chegaria ao fim pela mesma mão que a criou: a recusa da austeridade.