Qual é a parte de não poder haver novos aeroportos por entender? O projeto do aeroporto no Montijo sofreu um novo revés, após a oposição das autarquias locais. As alternativas vão sendo discutidas: voltar a Alcochete; mudar de margem do Tejo para Alverca ou para a Ota; virar para Beja; forçar o aeroporto no Montijo, eliminando o poder de veto das autarquias, etc.
As opções acima têm uma característica comum: menosprezam as alterações climáticas. O setor da aviação emite, e muito. Estima-se que pelo menos 5% do problema do aquecimento global seja derivado do setor da aviação.
Portugal, em linha com outros países desenvolvidos, para cumprir as metas necessárias e de redução de emissões de gases com efeito de estufa tem que reduzir de forma drástica as suas emissões na próxima década. O transporte aéreo – não só emite mais por viagem do que um carro com só um passageiro, como não podendo ser eletrificável em massa num futuro próximo – é um delinquente climático de primeira linha.
Como começar? Contabilizando o número de passageiros pré-pandemia do aeroporto de Lisboa, 17% partiram para dentro da Península Ibérica. Uma redução do tráfego aéreo passa sem duvida por estes voos, mais a médio prazo.
Com as reduções no tráfego, pairam no ar as questões: para que serve este aeroporto? Onde estará o excesso de passageiros num futuro em que acontecem os cortes de emissões necessários? Construído o aeroporto, será usado durante quantos anos?
Se tivermos em conta uma agenda compatível com o combate às alterações climáticas, um novo aeroporto será, na melhor das hipóteses, um esbanjamento de recursos, não servirá qualquer passageiro. Não há tal coisa como uma boa localização possível para um novo aeroporto.
Após o recuo do plano A da construção do aeroporto no Montijo, o único plano B só pode ser a não construção de qualquer aeroporto. Qualquer plano que envolva um novo aeroporto, cuja atividade equivale a emissões massivas, torna-o um plano que não pode avançar.
Há quem enfatize a localização periférica de Portugal na Europa como uma atenuante para emitir com o transporte aéreo. Ora, as alterações climáticas são um fenómeno mundial, analisemo-las como tal. Apenas 1% da população mundial é responsável por metade das emissões. Em 2018, apenas 11% da população utilizou o transporte aéreo. Em média, um europeu voou 25 vezes mais do que um africano. Se insistirmos na questão intraeuropeia, dados do Eurostat mostram que, per capita, em Portugal são transportados 5,3 passageiros por ano, contra 2,7 na Alemanha ou 4,7 nos Países Baixos.
Cortar emissões significa cortar emissões. Não cortar emissões significa contribuir para o colapso climático. Reconhecer as alterações climáticas e valorizar o seu combate, mas nas questões decisivas encará-las apenas como um cataclismo inevitável, não acrescenta valor.
A questão do nosso tempo não é se o aeroporto do Montijo inundará se as alterações climáticas se agudizarem. A questão é impedir que as formas de transporte provoquem esses efeitos catastróficos. Novos investimentos são necessários, mas em meios como a ferrovia que não comprometam um planeta digno.
Em 2007, quando se debatia a localização de um novo aeroporto, o então ministro das Obras Públicas declarou “Aeroporto na margem Sul? Jamais! Jamais!”. A direção da frase podia não estar certa, mas o espírito estava. Novos aeroportos? Jamais!