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“Mão firme” de Lagarde mantém o acelerador no máximo

A manutenção do ritmo acelerado na compra de ativos e a relativização do problema da inflação permitiram à presidente do BCE evitar o tabu do ‘tapering’, ou a redução gradual das aquisições.
11 Junho 2021, 14h00

A capital portuguesa fez parte de uma das principais respostas da francesa Christine Lagarde na conferência de imprensa do Banco Central Europeu (BCE) em Frankfurt esta quinta-feira, 10 de junho.

“Receio que possa ficar desapontado, porque vou me referir à minha deixa de Lisboa”, começou por responder Lagarde, referindo-se à mensagem que transmitiu após a reunião do Eurogrupo a 21 de maio no Centro Cultural de Belém.

A pergunta era sobre o que o BCE poderá fazer depois do fim do Programa de Compra de Emergência Pandémica (PEPP, na sigla, em inglês), que tem um ‘envelope’ de 1,85 biliões de euros e que termina, segundo o plano atual, em março de 2022.

“Não adianta perdermo-nos em conjecturas, é muito cedo, é prematuro e desnecessário discutir esses temas de longo prazo e essas questões não foram discutidas pelo Conselho de Governadores”, disse a presidente do BCE.

Os governadores têm temas mais urgentes para tratar. Entraram na reunião com a pressão de conjugar uma recuperação económica saudável, mas ainda madrugadora, com uma subida da inflação, combinação que deixa os banqueiros centrais entre a tentação de remover os estímulos e o receio de o fazer cedo demais, pois esse ato poderá por em risco a retoma e a estabilidade nos mercados.

O resultado principal foi aquele que era esperado pela grande maioria dos analistas. O BCE deixou inalterada a política monetária, não mexeu nas taxas de juro, que continuam em mínimos históricos, nem na dimensão do programa de emergência de compra de ativos.
Depois de ter anunciado na reunião de março que iria acelerar “de forma significativa” o ritmo de compras no segundo trimestre face aos primeiros meses deste ano, tendo reconhecido o risco que o aumento das taxas de juros das dívidas soberanas representa para as condições de financiamento, reiterou esta quinta-feira a mensagem em relação ao próximo trimestre.

Usar a flexibilidade do PEPP
“Mão firme”, disse Christine Lagarde duas vezes, uma no discurso e outra na resposta, para explicar o que o BCE pretende com a decisão de manter acelerado o ritmo de compra de ativos. “Faremos isso nos próximos três meses de acordo com as condições de mercado, que incluem claramente a sazonalidade”, referiu.

Lagarde vinca que tal será feito “com o atributo fundamental do PEPP, que é a flexibilidade, entre classes de ativos, no tempo e na geografia”.

Numa altura de subida da inflação – em maio chegou aos 2%, superando a meta de ‘perto, mas abaixo de 2%’ do BCE – os analistas apontam para eventuais divergências no seio do Conselho de Governadores, com alguns a salientarem a necessidade do ‘tapering’, ou a redução gradual do PEPP.

Christine Lagarde começou por oferecer a mensagem habitual sobre um grupo unido, dizendo que “não houve redação alternativa [para a frase sobre o ritmo de compras], houve apoio unânime à declaração introdutória e houve amplo consenso sobre o que estava sendo proposto”.

Questionada novamente, optou por ser “muito transparente e clara”, dizendo que houve apoio unânime para a declaração introdutória, mas que “houve também debate sobre o ritmo de compra, sobre algumas das análises do uso de nossos instrumentos”. E admite: “portanto, tivemos aqui e ali algumas opiniões divergentes e não um consentimento unânime em toda a linha”.

Divergências internas à parte, os analistas e os investidores ficaram agradados com as conclusões da reunião, ou pelo menos não saíram desiludidos.

“A principal missão do BCE hoje era evitar qualquer conversa sobre o tapering e não prejudicar a recuperação economica ou permitir que as yields das obrigações aumentassem de forma prematura”, disse Carsten Brzeski, global head of macro do banco de investimento holandês ING.

“Mesmo que o BCE tenha parecido um bocado com a estratégia do meu cão de fingir ser invisível quando um cão maior se aproxima, o BCE cumpriu sua missão: ganhar algum tempo sem começar a conversa sobre o tapering”.

Na periferia da zona euro, a taxa de juro da dívida soberana portuguesa no mercado secundário desceu 1,5 pontos base para 0,389%, enquanto a equivalente italiana caiu 2,7 pontos para 0,803% e a espanhola permaneceu inalterada em 0,4%. A yield das bunds alemãs a 10 anos, principal referência da dívida europeia, recuou 1 ponto para -0,253%.
A reação nos mercados acionistas europeus foi ligeiramente positiva. O índice STOXX 600 avançou 0,1% mas estabeleceu um novo recorde, enquando o espanhol IBEX avançou 0,22% e mesmo as bolsas que fecharam em terreno negativo registaram quedas ligeira, como por exemplo o PSI 20, que deslizou 0,09%.

Tom mais otimista
A reação está relacionada também com o tom mais otimista do BCE sobre as perspetivas. O banco central reviu em alta as projeções de recuperação economia da zona euro face a março, projetando agora um crescimento do PIB de 4,6% este ano, o que compara com a prévia projeção de 4%.

O BCE vê a economia dos países da moeda única a crescer 4,7% em 2022, no cenário base, uma revisão em alta dos 4,1% de março, enquanto a projeção para o crescimento do PIB em 2023 permanece inalterada em 2,1%

“Esperamos que o crescimento continue a melhorar de forma forte na segunda metade de 2021, à medida que o progresso nas campanhas de vacinação permite um maior relaxamento das medidas de contenção”, explicou Lagarde.

“No médio prazo, a recuperação da economia da zona euro deverá ser impulsionada por uma procura interna e global mais forte, bem como pela continuação do apoio da política monetária e da política orçamental”, afirmou.

Lagarde adiantou que, no geral, o BCE considera os riscos em torno das perspetivas de crescimento da zona euro como globalmente equilibrados.

“Por um lado, uma recuperação ainda mais forte pode ser baseada em perspectivas mais promissoras para a procura global e uma redução mais rápida do que o previsto na poupança das famílias, uma vez que as restrições sociais e de viagens tenham sido suspensas”, explicou, acrescentando que, por outro lado, “a pandemia em curso, incluindo a propagação de mutações de vírus, e suas implicações para as condições económicas e financeiras continuam a ser fontes de risco de queda”.

A presidente do BCE referiu que a inflação anual deverá acelerar este ano para 1,9%, face à previsão de 1,5%, mas salientou que será por razões de efeito base face à quebra no périodo homólogo e os aumento nos preços da energia. Para 2022, o BCE prevê inflação de 1,5% e de 1,4% em 2023.

“Esperamos que as pressões de preços subjacentes aumentem ligeiramente este ano, devido a restrições temporárias de oferta e à recuperação da procura doméstica”, explicou Christine Lagarde.  No entanto, as pressões sobre os preços deverão permanecer globalmente moderadas, em parte refletindo as baixas pressões salariais, no contexto de uma retração económica ainda significativa e da apreciação da taxa de câmbio do euro, adiantou.

“Assim que o impacto da pandemia esteja a diminuir, a redução do alto nível de folga, apoiada por políticas monetárias e fiscais acomodatícias, contribuirá para um aumento gradual da inflação subjacente no médio prazo. As medidas baseadas em inquéritos e os indicadores baseados no mercado das expectativas de inflação a mais longo prazo permanecem em níveis moderados, embora os indicadores baseados no mercado tenham continuado a aumentar”, vincou.

Carsten Brzeski, do ING, sublinhou que o BCE continua a ver a inflação como transitória.
“A referência à folga na economia da zona euro, bem como as projeções da inflação core, apoiam este ponto”, disse.

Mais importantes do que os números puros foram a avaliação dos riscos e as expectativas sobre inflação core, que não conta itens como a energia, disse.

De acordo com o BCE, os riscos em torno das perspetivas económicas estão globalmente equilibrados. “Com isto, o BCE passou por uma mudança gradual na sua avaliação de risco nos últimos meses, de ‘riscos inclinados para o lado negativo” para ‘riscos de médio prazo mais equilibrados’ para agora um absoluto ‘amplamente equilibrado’”, disse Brzeski.

BCE longe do ‘tapering’
O tema do tapering por enquanto é tabu nas conferências de imprensa em Frankfurt, mas embora os analistas escrevam constantemente sobre o assunto, acreditam que essa redução de compra de ativos ainda vai demorar a chegar à zona euro.

“Ao contrário da Reserva Federal, o BCE não deve dar sinais de tapering nos próximos meses”, disse Jörg Krämer, economista-chefe do alemão Commerzbank.

Além disso, é provável que o BCE combine sua redução posterior das compras com concessões substanciais às muitas ‘pombas’ nas suas fileiras, disse, adiantando que a política monetária do BCE permanecerá muito acomodatícia por muito tempo.

“Afinal, a margem de manobra do BCE está agora fortemente limitada pelas elevadas necessidades de financiamento dos governos”, sublinhou.

“Assim, esperamos que o BCE esteja longe de seguir a liderança do Fed e de outros bancos centrais na discussão e início da redução gradual das compras de títulos este ano”, afirmou.
Para Jörg Krämer, é provável que o BCE confirme no outono que quer encerrar o programa de compra de títulos PEPP na primavera do próximo ano, mas é expectável que combine isso com concessões consideráveis às muitas ‘pombas’ no Conselho do BCE.

Por exemplo, poderia aumentar o envelope PEPP em mais 250 mil milhões bilhões, a fim de estender as compras além da primavera se as yields das obrigações subirem muito, concluiu.

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