Agora que os efeitos económicos da crise pandémica já são visíveis, cumpre ver o que preocupa os nossos políticos.

E o que os parece preocupar é a novela do Novo Banco!

Ora, o problema do Banco Espírito Santo não era o valor do seu aviamento, da sua marca, nem da sua capacidade de gerar negócio. A sua clientela e o valor de confiança eram inquestionáveis no mercado. E excluindo os actos alegadamente criminais (e têm de ser provados em tribunal), nem sequer as non performing exposures ou os activos imobiliários eram diferentes dos dos restantes bancos, incluindo nestes o banco do Estado, a CGD.

Um banco demora décadas a construir, instilando a confiança no mercado para captar depósitos e cumprir o papel fundamental na economia, de intermediação entre a poupança e o investimento. A firma social Banco Espírito Santo era uma marca verdadeiramente distintiva da qualidade dos serviços que o banco prestava e completamente dissociável do nome da família accionista do banco. A prova disto foi a nacionalização do banco no  Verão quente e a boa performance que o banco, sem a família Espírito Santo, teve até à sua privatização…

Dito isto, rebaptizar o Banco Espírito Santo foi o primeiro erro e não tão despiciendo como alguns creem. Destruiu-se uma marca consolidada no mercado. Bastaria ter-se afastado a família da gestão, até mediante uma nacionalização ou uma resolução.

A resolução, em si mesma, também foi um erro quando se quis separar “a carne dos ossos”, através da criação do banco bom e o banco mau e a alocação dos activos tóxicos. Ficou rapidamente claro que essa alocação foi mal efectuada, por defeito, e a posteriori ainda se transmitiram alguns activos e responsabilidades tóxicas, mas sempre por defeito.

Mas os activos que foram alocados ao Novo Banco, mesmo tóxicos, continuavam a ser activos, com alguma expressão económica, embora, de acordo com as regras de supervisão, pudessem consumir capital e fundos próprios. Foi isto que o Banco de Portugal pensou, se é que pensou, e que determinou a sua vontade para ficar com esses activos no balanço do Novo Banco.

Como era para vender, mais valia ficar com tais activos, ainda que fossem non performing exposures, ou com os activos imobiliários ainda que com valor inferior ao valor pelo qual estavam registados na contabilidade. Os bancos são normalmente vendidos pelo seu net asset value (NAV) e esses activos têm algum valor económico e influenciam positivamente o preço numa transacção de empresas.

Não sei o que concretamente se passou no processo de venda, mas não tenho dúvidas que todos os interessados na compra fizeram os seus processos de due diligence ou, in casu, auditorias aos activos. E foi aqui, infere-se, que o comprador seleccionado – o único, a dada altura -terá levantado a questão do preço justo pelo NAV, dado que alguns activos não o eram ou tinham um valor inferior ao escriturado, o que poderia conduzir a duas situações: ou o vendedor Estado reduzia o preço (no caso teria de pagar ao comprador os tais 3,9 milhares de milhões de euros, pois o valor do banco era negativo), ou ainda tinha esperança de que algumas non performing exposures ou activos imobiliários depreciados pudessem recuperar o seu valor e diferia para o futuro essa compensação. E foi isto que aconteceu e surge o mecanismo de capital contingente.

No fundo, as partes sabiam, ou não deviam ignorar, atendendo ao processo de due diligence, que a verificação da contingência dos 3,9 milhares de milhões de euros era mais do que provável. Mas, como se costuma dizer, morrer e pagar quanto mais tarde melhor. O erro foi não se ter logo dito aos contribuintes a verdade! E a verdade é que o NAV do Novo Banco podia ser corrigido no montante máximo dos 3,9 milhares de milhões de euros.

Agora vir dizer, ou criticar, que a resolução foi mal feita e que conduziu a este resultado, o que faz o PS, ou criticar o processo de venda, o que faz o PSD, que conduziu a este resultado, é puro exercício espúrio e, nalguns casos, de má-fé. A única alternativa viável tinha sido ficar com o Banco Espírito Santo, expurgando-o dos activos tóxicos e capitalizar o banco com os 3,9 milhares de milhões de euros, acrescido de mil milhões de euros que foi o capital injectado pela Lone Star, para compensar as imparidades inerentes às non performing exposures (NPE) e a depreciação dos activos imobiliários.  Uma vez limpo o balanço do Banco Espírito Santo dessas imparidades, então, sim, pô-lo no mercado.

Sei bem que o BCE não queria este resultado e que havia o risco de liquidação do banco, mas também sei que Portugal foi a cobaia deste processo de resolução e podíamos, e devíamos, ter-nos oposto.

Agora criticar o que a Lone Star e o Novo Banco fizeram é escandaloso, salvo se se provar que houveram negócios com partes relacionadas, o que, até prova em contrário, e com tanto escrutínio, não acredito. O Novo Banco limitou-se a alienar as NPE e os activos imobiliários em processos competitivos, transparentes, regulados e supervisionados (pelos auditores e pelo fundo de resolução), com vista a limpar o balanço das imparidades e reduzir o rácio do NPE e alienar imóveis não afectos à exploração, desse modo, cumprindo a lei que não lhe permite ter imóveis por prazos indefinidos.

A Lone Star limitou-se a exercer um seu direito a utilizar um mecanismo de capital contingente que negociou livre e esclarecidamente com o Estado, este assessorado, crê-se, por advogados e técnicos. Podia a Lone Star ter exigido logo no início da compra a injecção dos 3,9 milhares de milhões de euros para compensar as NPE e a depreciação nos activos imobiliários e aceitar um ajustamento ao preço se se viesse a verificar a recuperação do valor desses activos, mas aceitou diferir no tempo o mesmo resultado em função do valor obtido e maximizado nesses processos competitivos.

Aliás, todos os bancos alienaram a desconto non performing exposures e activos imobiliários a desconto (haircuts) e fizeram bem. Libertaram capital para poder exercer a sua função principal que é dar crédito à economia e às empresas. E são estes mesmos bancos que irão suportar a conta no final, através das dotações para o fundo de resolução (lei inconstitucional na minha modesta opinião) e não os contribuintes, embora, e também isto não se explicou bem, os contribuintes vão financiando o fundo de resolução.

Tudo o resto é fumaça, a que os políticos se agarram para distrair as pessoas dos verdadeiros problemas que esta crise económica traz e trará!

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.