No âmbito da presidência portuguesa do Conselho da União Europeia, realizou-se no dia 29 de março uma conferência de grande amplitude e significado sobre o tema “O papel da Economia Social na criação de emprego e na implementação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais”. A iniciativa pertenceu ao Governo, através do Ministério do Trabalho e Solidariedade, e teve como parceiros e entidades organizadoras a CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social e a Câmara Municipal de Sintra.
A convite dos organizadores, tive o privilégio de ser o moderador de um painel de debate que contou com a participação de diversas personalidades europeias e portuguesas ligadas à economia social. Fi-lo na qualidade de director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, uma escola onde há 40 anos se ensina e investigam temas de Economia Social.
Esta conferência pretendeu contribuir para o debate em curso sobre as novas tendências da Economia Social no contexto da União Europeia – não tão novas quanto isso – e acerca do papel das ideias, organizações e empresas de Economia Social na recuperação da pandemia e no futuro comum das nossas comunidades.
Além da centralidade das agendas da transição energética e digital, neste momento a União Europeia reconhece claramente a importância da Economia Social no Pilar Europeu dos Direitos Sociais. Não por acaso, a Comissão tem criado um conjunto de dispositivos de incentivo e financiamento que podem permitir às comunidades locais reforçar o papel histórico da Economia Social na coesão social e dos territórios, na criação de emprego e nos processos de inovação social.
A conferência não foi apenas mais um Zoom, nem tão-pouco uma reunião de burocratas pouco conhecedores das ideias que se identificam com os valores da economia social e com o papel inconfundível da sua galáxia de organizações nas comunidades locais, na inovação social e na vida económica dos países da União. Tratou-se de um fórum de debate que permitiu clarificar o que quer a União Europeia – a Comissão, em particular, mas também os Estados e as próprias comunidades – da Economia Social e das suas organizações.
Muito participada e seguida do Atlântico aos Urais, a reunião colocou em evidência os objectivos dos dispositivos institucionais que, nos próximos tempos, prometem enquadrar as entidades que se identificam com o conceito de Economia Social nos diversos países da União: cooperativas, associações, mutualidades, fundações e empresas sociais.
Basicamente, a política europeia actual, menos apegada à ortodoxia monetarista de há dez anos atrás e mais próxima de um certo liberalismo social, assenta numa conjugação da política de impulso às empresas sociais, vertida na Social Business Initiative, lançada em 2011, com as políticas de cidadania social e solidariedade que o Pilar Europeu dos Direitos Sociais revaloriza, nomeadamente quanto ao emprego e “trabalho digno”.
A inclusão da Economia Social no Pilar Europeu dos Direitos Sociais e a preocupação da Comissão Europeia em promover essas sinergias, só por si é uma boa notícia. Saúda-se a intenção de fazer regressar a Economia Social à sua relação com o papel do Estado nas políticas de bem-estar e de cidadania social, parceria que é muito forte em diversos países, nomeadamente em Portugal. No entanto, é também notória uma continuidade em relação aos anos de 2010-12, quando as organizações da Economia Social começaram a ser empurradas para a lógica competitiva da economia de mercado e para um scale-up apoiado no papel das empresas sociais.
Neste como noutros momentos da sua história – uma história europeia, apesar da vivíssima realidade das formas de economia solidária noutros espaços do mundo –, a Economia Social é uma ideia à procura de si própria. Em si mesmo, o conceito nunca foi unânime, mas nos seus valores comuns revêem-se milhões de organizações e de empresas em toda a União Europeia, apesar do sentido instituinte que os actuais dispositivos de governação procuram oferecer às suas práticas.
Em Portugal, as entidades da economia social beneficiam de um forte reconhecimento institucional e de uma clara inclusão nas políticas públicas, tendências que remontam à Constituição democrática de 1976 e que reúnem um consenso social e político digno de realce. Mais uma razão para estarmos atentos a este processo de forma a podermos participar activamente nas dinâmicas de cidadania que ele exige.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.