O teletrabalho ganhou dimensões inimagináveis durante a pandemia e hoje o mercado discute o regresso físico dos trabalhadores aos seus locais de trabalho. Por exemplo, a Comissão Europeia já estuda a redução da ocupação dos seus edifícios até 2030, já que 90% dos funcionários revelaram disposição para trabalhar a partir de casa ou dois a três dias por semana nas suas residências. Uma tendência que começamos a ver também em outras grandes instituições, como o Fundo Monetário Internacional, mas também em bancos como o Deutsche Bank e o HSBC.
Em Portugal, em Março último, um estudo do Observatório da Sociedade Portuguesa revelou que, dos 41,4% inquiridos que continuavam em teletrabalho, 80,4% continuavam “interessados” ou “muito interessados” em continuar no regime de teletrabalho, sendo que 77,9% gostavam de trabalhar a partir de casa até quatro dias por semana.
Todavia, como é de esperar, este tema está longe da unanimidade. Por exemplo, nos Estados Unidos, o CEO da Morgan Stanley, um dos principais bancos de investimento a nível mundial, deixou uma clara mensagem aos seus funcionários: “e podem ir a um restaurante, podem vir ao escritório”, afirmou James Gordan. E já ditou a data do regresso de todos: o “Labor Day” (Dia do Trabalhador), comemorado nos Estados Unidos na primeira segunda-feira de Setembro.
No centro do debate sobre o teletrabalho há duas questões que dominam a discussão a nível mundial:
- o salário, se deve ser mantido ou sofrer uma redução. Num período onde o nomadismo digital é cada vez maior, alguns executivos defendem que o salário deve ser ajustado à residência do trabalhador, já que o custo de vida de uma grande cidade é mais caro do que numa pequena e o salário reflecte precisamente essa diferença. “Se querem receber os salários de Nova Iorque, trabalhem em Nova Iorque. Não é viver no Colorado e ganhar como se vivesse em Nova Iorque. Sinto muito, mas as coisas não funcionam assim”, defendeu James Gordan (no outro lado da moeda, isso permite também contratar profissionais de outras cidades, que são geralmente mais baratos…);
- crescimento profissional. A troca de experiência entre funcionários não é a mesma no teletrabalho. Recorremos novamente ao CEO da Morgan Stanley: “Não se enganem a esse respeito: fazemos o nosso trabalho dentro dos nossos escritórios, é aí que ensinamos, é aí que os nossos estagiários aprendem, é assim que desenvolvemos as pessoas.”
Em cima da mesa há três caminhos a seguir: teletrabalho a 100%, modelo híbrido ou trabalho presencial, como ocorria nos tempos já “longínquos” da pré-pandemia. Evidentemente que há sectores onde a presença física é obrigatória e será apenas residual. Mas há áreas onde é perfeitamente possível as empresas adoptarem um trabalho 100% digital.
O que os defensores do modelo mais tradicional argumentam é que o teletrabalho a 100% afecta três das valências mais importantes do mundo do trabalho: a produtividade, o networking e a criatividade, todas dependentes da presença física. Mas há mais, visto que, mesmo no sistema híbrido, e segundo alguns estudos já realizados, a ascensão profissional de funcionários que preferem o recato das suas residências para trabalhar é afectada se comparada com a dos que fazem questão de estar no escritório.
Ou seja, além da problemática da praticabilidade da introdução do teletrabalho, há aqui também um elemento social a ultrapassar, já que não fomos criados para trabalhar a partir de casa, do café ou da praia.
Saber até que ponto a sociedade em geral está preparada para absorver e respeitar esta verdadeira revolução cultural no mercado de trabalho é um dos grandes desafios dos próximos tempos, uma mudança que vai alterar por completo a forma como o trabalho é encarado. Os defensores do teletrabalho defendem a produtividade acima de tudo, enquanto os defensores do regresso aos escritórios e afins não admitem que a produtividade plena seja possível fora do local de trabalho.
Com a vacinação a decorrer a bom ritmo nos países desenvolvidos, esta discussão ganha cada vez mais força um pouco por todo o lado, já que o teletrabalho tenderá a diminuir nos próximos tempos, com a maioria das empresas a exigir o regresso dos seus profissionais, mesmo que contrariados, na medida em que a cultura do “presencialismo” ainda impera na sociedade em geral. Até quando e com que consequências?
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.