Este verão tem sido morno a todos os níveis. Recorde-se que este “nível térmico” é muitas vezes a temperatura ideal para que certos acontecimentos ocorram.
Vejamos, por exemplo, o recente congresso do PS. Tido como morno por alguns comentadores, foi talvez dos congressos mais interessantes do PS e da recente política portuguesa, pelo menos para aqueles que pensam o futuro e estão atentos às subtilezas.
Morna tem sido também a campanha eleitoral para as autárquicas, muito por ausência de uma oposição em estado de letargia por manifesta ausência de capacidade. A situação não é dramática, mas poderá vir a sê-lo se os danos infligidos aos partidos de centro e de direita pelas atuais lideranças se consolidarem.
Alguns dos resultados, a confirmarem-se, como o expectável bom resultado do Presidente da Câmara de Lisboa, poderão ter, assumindo determinada dimensão, consequências futuras significativas para o PS, internamente e na sua relação com os partidos à esquerda.
Face à total ausência de capacidade da oposição, de ideias motivacionais e até de liderança efetiva, a pouca oposição inteligível ao domínio quase absoluto do PS e do seu governo, acaba por vir do Presidente da República. Oposição tática e sem impactos estruturais no panorama político, mas, não obstante, inteligente e assegurando alguns “checks and balances”.
É, aliás, esse conforto, resultado mais da conjugação favorável das circunstâncias endógenas e exógenas do que de uma efetiva capacidade política, que tem permitido ao primeiro-ministro exibir dotes de estadista em diversas frentes e até ter lançado as bases do tal congresso morno, bem como dedicar-se a algumas aparentes subtilezas políticas, também visando o Presidente da República, sob a forma de inúteis homenagens a personagens há muito irrelevantes.
Um dos temas que agitou um pouco mais o verão assumiu várias roupagens comunicacionais. A questão da nossa identidade coletiva, do futuro que queremos para o nosso povo e nação, esteve presente em vários momentos e através de alguns fait-divers.
Esteve presente no debate sobre a origem dos nossos atletas olímpicos, na idiótica e ignorante pichagem do padrão dos descobrimentos, nas discussões sobre imigração e refugiados, tema adensado pelo culminar da situação no Afeganistão e no debate, o menos intenso de todos, sobre a baixíssima taxa de natalidade no nosso país. Este é, aliás, para mim, um dos assuntos verdadeiramente estratégicos para o nosso país.
A situação do Afeganistão veio momentaneamente insuflar o fogo fátuo dos nossos habituais comentadores especializados em generalidades, prognósticos post mortem e leituras acompanhadas para memória futura.
Não deixou de ter a sua piada ver alguns habituais comentadores críticos dos EUA, do seu posicionamento e intervencionismo militar, virem advogar a sua presença no Afeganistão, mesmo aqueles que meses antes vociferavam contra os excessos americanos na região e a ocupação do país.
Pessoalmente, o momento mais divertido foi ouvir uma comentadora de assuntos diplomáticos, políticos, futebolísticos e outros, advogar no seu tom habitualmente estridente e assanhado e do alto do seu profundo conhecimento da arte da guerra e da estratégia, que estava provado que bastariam cerca de 2.500 soldados americanos no Afeganistão para manter os talibãs afastados.
O tema da retirada, há muito resolvido e decidido, e executado agora com grande coragem política, não deixa de ter relevância para quem acompanha estas questões, no sentido de avaliar a capacidade de execução da mesma. Uma retirada é um movimento tático com fortes implicações e de difícil execução. A demonstração da capacidade militar é, regra geral, melhor evidenciada na execução deste tipo de movimento, pela gestão e disciplina exigidas.
Resta agora esperar e fazer as leituras estratégicas deste movimento e da forma como foi efetuado. O Presidente Biden, com todas as dificuldades que enfrentou, nomeadamente os erros de cálculo inerentes a este tipo de manobras, desenvolvidas num ambiente em mudança acelerada e condicionada por inúmeros fatores, manteve uma serenidade e firmeza de decisão que pessoalmente me surpreendeu.
Uma nota final, no âmbito deste verão morno, reservo-a para os incêndios que não têm assolado o nosso país como habitualmente. A melhor preparação e organização das entidades nacionais responsáveis, começando pela Senhora Secretária de Estado e pela gestão de topo da ANPC – Autoridade Nacional de Proteção Civil, e abrangendo todo o dispositivo operacional, contribuíram certamente para um verão mais calmo. Este verão climaticamente morno também ajudou.