Nós, portugueses, gostamos de complicar. Não sei se é tanto gostarmos ou se o fazemos porque somos avessos ao risco. Tipicamente interpretamos as regras e normas de forma extremamente complexa para garantirmos que não há qualquer hipótese de se estar a incumprir.
Se, por exemplo, uma lei diz que algo tem de acontecer com o consentimento explícito das partes envolvidas, exigimos uma carta em “papel timbrado” assinada e reconhecida por notário; se uma norma refere que um ato só pode ser praticado se se garantirem as circunstâncias x ou y, passamos automaticamente a exigir que aconteçam em simultâneo.
Um exemplo flagrante é o da contratação pública. O código dos contratos públicos existe para garantir que se protege o erário público, que se garante a livre concorrência e que não se potencia, com dinheiros públicos, endogamia e corrupção. Ora, a interpretação feita é frequentemente a de que nada é possível ser feito em contratação pública. Tudo é de tal forma complicado que se eternizam os prazos das tomadas de decisão inviabilizando, muitas vezes, que determinadas ações ocorram.
Não sendo jurista, parece-me evidente que muitas vezes forçamos a letra da lei assumindo que o espírito da mesma é pouco racional, se não mesmo, estúpido. Tudo porque quem decide tem de ter a garantia técnica que o faz de acordo com as normas, e quem dá a garantia técnica tem de se proteger não admitindo qualquer flexibilidade na sua interpretação.
O culminar disto tudo são tribunais, onde os juízes, embora com honrosas exceções, muitas vezes interpretam da mesma forma fechada e complicada as normas, responsabilizando por isso o técnico que dá o parecer e o responsável que tomou a decisão, se algum detalhe não está conforme.
Um outro exemplo tem a ver com o uso do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD).
Quando o RGPD entrou em vigor tive o privilégio de assistir a uma apresentação esclarecedora sobre os seus objetivos e a sua aplicação. Sendo obviamente um regulamento restritivo, com o objetivo de proteger os dados e a privacidade de cada um, a apresentação focou-se nas enormes vantagens que uma aplicação aberta e inteligente do regulamento poderia ter para todas as partes envolvidas. Chamava, contudo, a atenção para a forma complicada e excessiva com que o regulamento estava a ser vertido e utilizado no normativo português.
A minha opinião é que devemos começar por escrever normas e leis em linguagem muito (muito mesmo) mais simples e clara, que a letra da lei deva ser o mais fiel possível ao espírito da mesma, e que as interpretações sejam inteligentes, que protejam quem devem proteger sem restringir o que não deve ser restringido e que tenhamos coragem para assumir a responsabilidade de interpretações abertas, inclusivas e que simplifiquem a vida dos indivíduos e organizações.