Na janela de transferências que encerrou a 31 de agosto, os vinte clubes da Premier League gastaram 1.351 mil milhões de euros, sendo a Liga inglesa a competição da ‘Big5’ que mais investiu, muito longe dos 571,04 milhões de euros investidos na Serie A.
No entanto, bastaram 15 milhões de euros para que a Premier League fizesse uma das maiores motivações de mercado dos últimos anos: juntar toda a capacidade de uma marca como Cristiano Ronaldo a um clube que apesar de estar longe da hegemonia de outros tempos, continua a ser um dos campeões de receitas.
Em entrevista ao “Jornal Económico”, Daniel Sá, diretor executivo do IPAM – Instituto Português de Administração de Marketing de Lisboa e especialista em marketing desportivo, explica os contornos extra desportivos presentes neste regresso de Cristiano Ronaldo a Old Trafford.
Este regresso de Cristiano Ronaldo à Premier League e ao Manchester United é surpreendente?
A notícia foi algo surpreendente mas sendo eu alguém que tem estudado Cristiano Ronaldo há tantos anos, atrevo-me a tentar adivinhar as razões da mudança de Turim para Manchester. Acho que tem a ver com aquilo que tem demonstrado em termos de personalidade desde sempre, e independentemente da idade, ele quer sempre jogar para ganhar, nas melhores equipas, nas melhores provas e ser sempre o melhor do mundo. É isto que retiramos da carreira dele. Acho que o que ele sentiu na Juventus é que a sua história não ficou completa porque ficou evidente que um dos objetivos passava por uma vitória na Liga dos Campeões que, como sabemos, não aconteceu. Cristiano terá sentido que este ano ainda teria menos possibilidades de conquistar esse troféu.
Cristiano Ronaldo regressa a um palco que conhece bem mas o desafio desportivo é enorme.
Aparentemente, o United não tem uma equipa que possa estar entre as favoritas para vencer a Champions mas sente que o caminho possa estar por aí. No fundo, regressa àquela que é, cada vez mais, a Liga mais importante do mundo na minha opinião, e isso tem a ver com os seus próprios índices motivacionais. Creio que é isso que está por detrás da decisão.
É um risco para Cristiano voltar a um United muito diferente daquele que deixou há 12 anos?
Este Manchester United é de facto muito diferente daquilo que era quando Cristiano foi transferido para o Real Madrid, mas este também é um Ronaldo distinto de há 12 anos. O português saiu dos ‘red devils’ em período de hegemonia do clube e que o momento do clube não lhe permite colocar-se na linha frente para conquistar a Premier League nem mesmo a Liga dos Campeões. O United está em tentativa de reconstrução há vários anos, com danças consecutivas de treinadores e de jogadores. De alguma forma, Cristiano pode ser a peça que faltava naquela engrenagem.
Do ponto de vista empresarial, como pode resultar esta reunião entre United e Cristiano.
Apesar do insucesso desportivo de quase dez anos, o Manchester United continua a estar no top3 mundial no que concerne aos clubes que mais receitas angariam todos os anos. Apesar a performance desportiva não acompanhar o sucesso empresarial, o Manchester United continua a ser uma marca absolutamente dominadora em termos mundiais. O que é que CR7 traz a este United? Um valor de marca absolutamente incrível e deixo só um indicador que é muito significativo: a totalidade de seguidores do Instagram dos 20 clubes que disputam a Premier League (cerca de 180 milhões) é bastante inferior ao número de seguidores que Cristiano tem nesta rede social: 335 milhões. Para além de toda a capacidade futebolística que leva para dentro do relvado, Ronaldo faz regressar à Premier League aquela que é a marca desportiva mais valiosa da atualidade e isso traz novos públicos, novos espetadores, aumento de receita de bilheteira e a inevitável questão do merchandising. Hoje em dia, Cristiano Ronaldo é, enquanto marca, muito mais valioso do que quando saiu de Manchester.
E assim, a Premier League consegue uma grande “cartada” comercial.
Esta contratação vem confirmar a Premier League como o melhor produto de futebol do mundo, de forma inquestionável. A Liga inglesa continua a ser um modelo de sucesso, com muita competitividade, estádios cheios, recordes de vendas de transmissões televisivas e com a presença de quase todos os melhores jogadores do mundo naqueles relvados. A Premier League apresenta uma superioridade absolutamente inquestionável face às outras ligas: a Bundesliga está sempre condicionada na atração de grandes estrelas; a LaLiga perdeu os três melhores jogadores do mundo em quatro anos; a Serie A a esforçar-se por chegar a outros patamares e a Ligue1 que é uma liga banal com o PSG como clube excêntrico.
Messi mudou-se para um PSG repleto de estrelas; Ronaldo transferiu-se para um United em reconstrução. O que diz esta diferença sobre os dois jogadores?
A mudança de Messi para o PSG é uma transferência de grande conforto do ponto de vista desportivo: é uma super equipa com enormíssimas possibilidades de ganhar a Ligue 1 e com elevadíssimas probabilidades de conquistar a Liga dos Campeões. A transferência de Cristiano Ronaldo é muito mais corajosa porque o português não vai para um cenário de conforto desportivo, vai para uma equipa que não ganha há muito tempo. De certa forma, isto bate certo com aquela que é a personalidade de Messi e Ronaldo: Lionel Messi sempre muito confortável nas suas decisões e Cristiano sempre a arriscar muito mais. Isso aconteceu quer na ida para Manchester com 18 anos, quer mesmo na mudança para Madrid quando o Barcelona dominava a LaLiga e também a transferência para a Juventus e o regresso a Old Trafford. A dose de risco desportivo de Cristiano Ronaldo tem sido sempre muito maior do que temos visto relativamente a Messi.
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