Com a recente não aprovação do OE 2022, e reaberto o debate sobre política fiscal, é pertinente deixar alguns comentários sobre equidade (como são distribuídos pela sociedade os recursos disponíveis) e eficiência (utilização otimizada de recursos escassos) fiscal. No International Tax Competitiveness Index 2021 , Portugal tem a pior classificação ao nível da tributação sobre as empresas e atinge a 34ª posição entre 37 países. A título de curiosidade, a Estónia assume a posição cimeira pelo oitavo ano consecutivo (para o que contribui, entre outros aspetos, uma taxa única de imposto sobre as sociedades de 20% aplicável apenas a resultados distribuídos e uma taxa única de imposto sobre as pessoas singulares de 20% que não se aplica a rendimentos de capitais auferidos sobre a forma de dividendos).
Noutro estudo, Portugal tinha, por referência a 2019 (pré pandemia), a quarta maior taxa efetiva marginal de imposto em 41 países pertencentes à União Europeia e OCDE. Para referência, a taxa média nos países analisados é de 56% e em Portugal é de 72%.
Este último estudo refere que a tributação dos contribuintes com mais rendimentos (high-income earners) é um indicador do grau de redistribuição do sistema fiscal de um país e da magnitude das distorções que tal sistema provoca, estando no epicentro do conflito entre eficiência e equidade de qualquer sistema fiscal.
O estudo conclui que taxas (marginais) de tributação efetiva muito elevadas induzem, no curto prazo, a evasão/elisão fiscal e reduzem o incentivo a trabalhar mais e/ou mais horas e que, no longo prazo, afetam escolhas de carreira e migratórias, bem como o nível de empreendedorismo e de formação profissional.
Em Portugal, não tendo os trabalhadores por conta de outrem, por regra, formas de obviar ou mitigar a tributação sobre o rendimento do trabalho, restam as restantes alternativas cujo impacto de longo prazo é a manutenção de níveis históricos de produtividade reduzidos e fuga de capital intelectual das novas gerações (e não só) já abordadas em artigos anteriores. O efeito negativo no crescimento do PIB é factual, não uma questão de opinião.
Sobre equidade, poderia eventualmente estudar-se o impacto de reduzir a tributação indireta (tradicionalmente vista como penalizando os que auferem menor rendimento) ou repensar a redistribuição do esforço real de tributação em sede de IRS (incluindo sobre os agregados que, atualmente, não pagam IRS). Poder-se-ia igualmente ponderar uma simplificação do sistema tributário, por forma a eliminar as múltiplas deduções e benefícios fiscais que fazem com que a taxa efetiva de imposto não tenha ligação com as taxas nominais, quer em sede de impostos pessoais, quer em sede de impostos sobre as empresas. Como contraponto, poderia haver uma redução das taxas nominais de imposto, que poderia ter como benefício, entre outros, a redução do incentivo à evasão ou elisão fiscal. Não pretendo afirmar que existem soluções fáceis, nem fechadas, mas fazer o mesmo e esperar um resultado diferente não é razoável.
Sobre eficiência, no que concerne à forma de financiamento de alterações ao sistema fiscal, a otimização das despesas públicas poderia, em complemento ao recurso à “Bazuca” europeia, ser o ponto de partida da análise ao invés de olhar primordialmente pelo prisma do aumento das receitas fiscais.
Com a carga fiscal em Portugal a aproximar-se do limite teórico definido pela curva de Laffer (a partir de uma taxa de imposto de 75%, a arrecadação de receitas fiscais diminui, com impacto negativo no exercício de elaboração orçamental), o legislador é o primeiro a ter o dever de, a bem do futuro do país, abordar a dilema equidade vs. eficiência fiscal. O (futuro) OE 2022 poderia ser um bom ponto de partida para inverter esta situação.