A Segunda Guerra Mundial terminaria em 1945, após declaração de derrota da Alemanha nazi e posterior rendição do Japão. O mundo ver-se-ia confrontado, primeiro, com o possível alívio de uma pacificação há muito esperada e, depois, com o real impacto do que foi o genocídio judeu e outros terrores até aí mais ou menos ocultados. Todo o sistema internacional se refundaria numa promessa de um mundo melhor, quiçá mais justo. Pelo menos mais pacífico, não para todos mas para alguns.
A sociedade alemã é, ainda hoje, fruto de uma certa vergonha histórica, uma culpabilidade estabelecida, um constante mea culpa social. Mas é também, e ainda, um território de muitas diferenças onde germinam, mais ou menos na escuridão, mais ou menos às claras, intuitos de supremacia racial e civilizacional.
Quando, em 2013, cheguei pela primeira vez a território alemão para viver por uns tempos, no auge da crise económica que impactou a Europa, houve dois aspectos sociais que me marcaram.
O primeiro foi a necessidade de dar explicações aos meus colegas na Universidade sobre o facto de os portugueses não serem devedores irresponsáveis e preguiçosos, como muitas vezes era divulgado indirectamente nas notícias. O segundo aspecto relevante para mim foi ver que cada vez que havia uma manifestação da extrema-direita, uma contra-manifestação – não necessariamente da extrema-esquerda mas de cidadãos preocupados com questões outras que não forçosamente o alinhamento ideológico – ocorria imediatamente. Mas nem eu estava no Leste da Alemanha, nem a maior vaga de refugiados tinha ainda chegado ao país.
No momento em que me preparo para deixar a Alemanha, o país ainda se vê a braços com uma sociedade extremamente dividida. Uma sociedade progressista e conservadora, organizada, mas que não ficou imune a uma resposta atabalhoada à pandemia, com uma massa crítica significativa e altos níveis de educação, mas sem capacidade de vacinar contra a Covid-19 mais do que 66% da população. A polarização na sociedade alemã é, com as devidas diferenças socioculturais que os países europeus têm entre si, uma imagem mais ou menos transversal do que se vai passando no Velho Continente.
Com o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, precedido por dias da abdicação do Imperador Alemão, que poria fim ao império alemão, terminava uma guerra e abria-se caminho para aquilo que seria a Segunda Guerra Mundial. Na tentativa de se criar uma Monarquia Constitucional, com medo de uma ameaça socialista proveniente da Bavaria, fez-se o caminho inverso.
Na verdade, aquando do Armistício, muitos militares não se tinham dado por vencidos, e muitos civis também não. Esta revolta serviu de base, em combinação com outras dimensões, para que muitos aderissem à oposição à esquerda, isto é, à extrema-direita do período pós-Primeira Guerra Mundial. O medo político do socialismo, e não digo que fosse injustificado, levaria àquilo que foi um erro de cálculo grosseiro de uma estratégia política que veio permitir a institucionalização da extrema-direita em Weimar. Pensou-se que seria inócua, mas não foi.
O resto sabemos como ocorreu.
Se há coisa que a História da Humanidade nos mostra é que abrir a Caixa de Pandora, normalmente, dá mau resultado, sobretudo em tempos em que as sociedades estão em processo de continuada polarização e reajuste.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.