O chumbo do Orçamento de Estado para 2022 pela Assembleia da República, trouxe uma considerável agitação política e muita especulação em relação às consequências que este facto pode ter sobre a recuperação da economia.
Do ponto de vista político, aumentou a instabilidade interna que se vinha sentindo há já algum tempo no seio dos dois partidos mais relevantes da ala centro-direita, CDS e PSD. Acusações de falta de democracia interna no primeiro e uma forte disputa pela liderança no principal partido da oposição, desviam a atenção destes partidos para o essencial, o foco nos problemas da economia e da sociedade portuguesa.
Por outro lado, as sequelas nas relações entre o PS e os partidos à sua esquerda, resultantes do chumbo do orçamento, não facilitam os consensos neste lado do espectro político. Nada disto contribui para o debate necessário sobre o rumo da sociedade portuguesa e para uma solução governativa pós-eleitoral que permita o país evoluir no sentido da recuperação económica e do aumento do bem-estar dos cidadãos.
Do ponto de vista da economia, muito se tem falado dos possíveis impactos que este statu quo tem nos agentes económicos, salientando-se os argumentos de que a incerteza política e o chumbo do orçamento trazem dificuldades à continuação da retoma da atividade económica e à necessidade de crescer acima da média dos nossos parceiros europeus.
De facto, a incerteza existe, não só por razões de natureza interna, mas também por um certo arrefecimento do crescimento económico internacional, ligado à crise da energia e aos problemas de logística que o mundo atravessa e que dificultam a regular continuidade das cadeias de abastecimento.
Também a pandemia exige vigilância. Estamos todos longe de querer voltar a sentir impactos adicionais negativos, na economia, motivados por uma eventual incúria em relação ao tratamento desta questão. A Covid-19 continua aí e a recrudescer em diversas latitudes.
Não obstante este cenário, não partilho de uma visão tão pessimista em relação à economia portuguesa. Não existem razões adicionais de relevo para que a economia não continue a crescer de acordo com as previsões do Governo para 2022 (5,5%) e que o deficit orçamental previsto (3,2%) não se torne alcançável, nem que o investimento não cresça, por ausência da aplicação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), o qual, refira-se, se estima, represente cerca de 2% do crescimento económico previsto para 2022.
Teremos um orçamento por duodécimos até meados do ano de 2022, a cobrança de impostos mantém-se e a capacidade de endividamento do Estado também. Os aumentos dos funcionários públicos e a atualização das reformas, terão margem para ocorrer num regime de duodécimos, o aumento dos abonos de famílias e a atualização extraordinária das pensões, quando muito, poderão ficar adiados até a aprovação de um novo orçamento e o aumento do salário mínimo não depende do Parlamento.
Podem, pois, não serem goradas as expectativas das famílias relativas à melhoria, ainda que modesta, do seu rendimento, pelo que as expectativas de consumo não se deverão alterar substantivamente. Também, a repercussão do aumento do preço da eletricidade nos mercados grossistas, é largamente mitigada por políticas regulatórias que garantem alguma estabilidade do preço deste bem para as famílias e, as empresas, beneficiarão do aumento dos recursos do fundo ambiental que terá efeito na redução das tarifas de acesso, o que contrabalançará com o aumento dos preços. Acresce que, se prevê que o aumento de preços seja apenas temporário, estimando-se que se mantenham até à primavera-verão de 2022.
Quanto ao PRR, trata-se de subvenções da União Europeia, que não carecem de autorização da Assembleia da República para a sua execução, não havendo razões de fundo para que a concretização dos investimentos a ele associados não se realizem. A aplicação do PRR não está posta em causa e esse é talvez o aspeto mais positivo a salientar no atual ambiente político e económico português.