A globalização contemporânea facilitou a criação de uma classe relativamente pequena, e frequentemente privilegiada, de pessoas às vezes chamadas de “cidadãos globais” que cruzam o globo para negócios, trabalho e/ou lazer. Não têm grande dificuldade de mudar de um lado do mundo para outro por melhores oportunidades profissionais. Por vezes ficam um conjunto de anos considerável num determinado país, mas por vezes circulam entre vários espaços em períodos curtos de tempo. Estes cidadãos não têm um verdadeiro sentimento de pertença aos Estados ou territórios onde vivem.
Do ponto de vista da organização das sociedades esta classe de cidadãos, que saem dos seus países frequentemente jovens e que são, também frequentemente, qualificados, coloca duas questões cruciais.
A primeira é o esvaziar de talento no tecido económico nacional. Ora, esta questão só se coloca se o talento que sai não for compensado pelo talento que entra. Por exemplo no caso do Reino Unido (e sem dados concretos para o demonstrar) estou convencida que os cidadãos que saem, muitos deles para os EUA e Canadá, são mais do que compensados pelos cidadãos globais que entram, em grande parte da Europa. No caso de Portugal isto é um problema efetivo. Não tenho qualquer dúvida que o nosso saldo é negativo, i.e., que sai muito mais talento do que aquele que entra. E uma vez que não queremos cortar oportunidades aos nossos jovens de terem melhores empregos, com melhores salários e com perspetivas de futuro mais amplas, acho que devemos pensar muito seriamente na nossa capacidade de atração de talento do resto do mundo. Ou seja, o discurso não deve ser centrado apenas na retenção (que é também importante) do nosso talento, mas muito na atração de talento internacional.
A segunda questão está relacionada precisamente com o desenraizamento. Sem o tal sentido de pertença, estes cidadãos do mundo não têm nem o interesse, nem o envolvimento no ecossistema político ou cívico dos países por onde passam. Este desinteresse pode ter consequências graves num mundo com crescente presença de sistemas autocráticos e de “democracias iliberais”, dominadas muitas vezes por violações de diretos básicos de todos ou de alguns. Mas mais ainda, mesmo sem as situações extremas de regimes particulares, o desenraizamento não ajuda a construir um mundo em que os mais qualificados e talentosos participam ativamente na criação de sociedades mais justas e inclusivas. A nível global este afastamento tem também impactos significativos. O equilíbrio geopolítico só ganha se em cada geografia os cidadãos estiverem envolvidos, e este envolvimento for efetivamente abrangente. Esta apatia dos residentes, face ao Poder, diminui a vigilância sobre esse Poder potenciando os conflitos e as tensões internacionais e dão uma mão livre a aspirantes a ditadores para a instauração e manutenção de regimes autocráticos e autoritários, com violações sistemáticas das liberdades individuais.
É difícil encontrar soluções que permitam a globalização dos cidadãos, com as inegáveis vantagens da multiculturalidade (que aumenta geralmente a tolerância) e com benefícios para cada um individualmente, mas que não criem cidadãos apáticos face à realidade política e social onde se inserem.