No rescaldo das eleições legislativas é difícil não reagir aos resultados e, em particular, a algumas atitudes que caracterizam aquilo que levou à vitória de uns e à estrondosa derrota de outros.
Qualquer que seja o prisma de análise adotado é fácil constatar que o vencedor absoluto foi António Costa. Poucas vezes uma vitória política é tão assertiva.
Obteve uma rara maioria absoluta, entrando para o restrito grupo dos governantes que a conseguiram, sendo que esta tem a particularidade de ter sido obtida não no início do seu trajeto como primeiro-ministro, mas após seis anos de difícil governação. Um período em que teve de ir navegando à vista, fruto das condições instáveis criadas pela situação do país e pelo funcionamento da própria “geringonça”.
A primeira vertente da vitória, muitas vezes negligenciada, relaciona-se com os méritos do próprio António Costa. O seu estilo, performance e mensagem convenceram a maior fatia do eleitorado As outras vertentes sucedem-se.,
Venceu os anteriores aliados da geringonça, sendo reconhecido como um taticista ultrapassou-os estrategicamente. Presumo, analisando os discursos dos líderes do Bloco de Esquerda e do PCP, que vá continuar a vencê-los. Se a linha de discurso do PCP não surpreendeu, era difícil esperar pior do discurso da líder do Bloco e da sua falta de assunção de responsabilidade política pelo descalabro.
Venceu o Presidente da República.
Venceu internamente. Se dúvidas existiam sobre quem iria controlar a sua sucessão no PS, essas dúvidas esfumaram-se. Bastaria simplesmente proceder à análise comportamental de Pedro Nuno Santos na noite das eleições.
E, claro, venceu a oposição à direita, venceu o PSD e venceu Rui Rio.
E, por muito que pessoalmente me custe, porque como cidadão posiciono-me de forma diferente no espetro político, foi uma vitória de inteligência e até de alguma humildade.
Ao trajeto de jactância a roçar a soberba, às manifestações de uma certa superioridade moral típicas de alguma direita caceteira e paroquial, respondeu com inteligência e alguma bonomia, aceitando corrigir ou conter o seu discurso quando foi necessário fazê-lo.
Mas importa dizer que esta vitória não se deve apenas a António Costa e ao PS. Deve-se muito à oposição, em particular este PSD e Rui Rio.
Rui Rio é um homem com qualidades e, muitas vezes, concordo com a mensagem que tenta passar, mas se há algo que resulta claro, destes últimos anos de ação política, é que ele não resulta como líder vencedor para o PSD.
Podemos sempre fazer, como fizeram alguns dos seus apoiantes e quadros do partido, na reação aos resultados, avaliações sobre a natureza do eleitorado, algumas a roçar o insulto, como se não estivessem a falar do povo português que também já deu, no passado, a maioria absoluta ao PSD. E houve de tudo, desde uma senhora que disse que “era disto que os portugueses gostavam” até ao ex-ministro que declarou que o PSD perdeu porque foram “mais sérios” a fazer política. A este tipo de manifestação de superioridade moral bacoca os portugueses responderam fazendo a sua escolha democrática.
Esta derrota de Rui Rio foi causada sobretudo pela ausência de informação de qualidade e pelo erro de perspetiva de quem quer que a realidade se enquadre em cenários subjetivamente pré-determinados e não de quem desenvolve metodologias para proceder à efetiva análise da informação disponível.
É o caso das sondagens. Não é o instrumento técnico que está errado. É simplesmente um instrumento cada vez mais ineficaz em captar tendências nesta sociedade da informação. Esse fenómeno agrava-se se as metodologias desenvolvidas visam produzir um determinado resultado ou a análise dos parâmetros não é bem feita.
A vontade de enquadrar a realidade em cenários pré-concebidos aconteceu, por exemplo, com a vitória de Carlos Moedas nas eleições autárquicas em Lisboa. Uma vitória que aconteceu, apesar de Rui Rio, e não, certamente, por vontade dele.
Acreditar que a vitória de Moedas era o prenúncio de uma viragem não foi apenas um erro grave de análise, mas consubstanciou o acreditar na própria retórica.
A grande vitória autárquica do PSD em Lisboa deveu-se, sobretudo, aos méritos do candidato e ao empenhamento da máquina do partido em Lisboa, bem como ao efeito de perda do candidato do PS, e não por qualquer mérito do líder do partido ou mesmo da organização nacional.
Mas até aqui a vitória de Costa é retumbante. Rui Rio perde de forma estrondosa e deixa no Parlamento uma bancada parlamentar de fação, representativa apenas deste momento do PSD, pouco experimentada e imbuída de um quadro mental que não facilitará um novo momento no PSD e, sobretudo, uma forte oposição ao PS.
Aliás, contrariamente a alguns analistas, prevejo uma atitude de resistência à mudança interna por parte desta estrutura dirigente do PSD. Apesar das palavras de Rui Rio na noite eleitoral, pressente-se o entrincheiramento.
Rui Rio perde porque não convenceu o eleitorado de centro, que quis conquistar, e porque alienou os eleitorados de direita. Pior, deixa o PSD a enfrentar o PS, no que será um longo trajeto de quatro anos, sem ser claramente o partido líder da oposição. Poderemos estar perante um cenário em que o maior partido da oposição não terá, claramente, a liderança da oposição. Esse papel caberá aos outros dois vencedores da noite eleitoral, Iniciativa Liberal e André Ventura.
Apesar do terceiro lugar do partido de André Ventura ser uma grande vitória do próprio, considero que o resultado da Iniciativa Liberal foi mais importante porque contraria um princípio histórico de pouca aderência ao liberalismo político e económico do povo português.
Mas a vitória absoluta de António Costa também eleva a fasquia da sua responsabilidade pessoal. Se, por um lado, lhe será mais fácil governar e pensar estrategicamente o país, por outro lado, acabam-se as desculpas e a responsabilidade assenta, apenas e exclusivamente, sobre ele.
Veremos se António Costa conseguirá reduzir os efeitos negativos, que ele tão bem soube apontar, da governação com maioria absoluta.