Por vezes, aqueles que fazem da política o seu ofício, são os que mais vão perdendo o discernimento para fazer a leitura correta dos tempos em que vivemos, qualquer que seja o programa ideológico em jogo. Os comentadores políticos não são muito mais sábios, lançando afirmações da mesma forma que se põe a rodar uma roleta russa.

Desde há um ano que antecipávamos o crescimento do Chega, com base no seu discurso antissistema e populista ao extremo, quase a roçar a caricatura. É um voto extremo de protesto, de desilusão, mal informado, mas é também um voto autoritário que pretende infiltrar-se no Estado, qual cavalo de Troia. Com 12 lugares conquistados na Assembleia da República (AR), será agora muito mais difícil aos restantes partidos democráticos escapar à “normalização da abominação” no espetro político.

A narrativa anarco-capitalista da Iniciativa Liberal foi direcionada para os revoltados contra elevadas cargas fiscais, insistindo num modelo neoliberalista fracassado que só beneficia alguns em detrimento de outros. O seu eleitorado conservador está aí em força, como se vê pelos oito lugares conquistados na AR.

A narrativa de “novos horizontes” do PSD arrancou bem, em contraste com a contenção e desmobilização do PS, desgastado após seis anos de governo e pandemia. Mas Rio não foi capaz de controlar-se nem de manter alguma coerência, atingindo o desvario perante as sondagens de empate técnico e possibilidade de vitória. Tal como não foi capaz de distanciar-se dos extremismos dos partidos à sua direita ou sequer de impor linhas vermelhas. A sua arrogância e falta de princípios teve a fatalidade de potenciar em força o voto útil no PS, em especial na última semana de campanha. E foi um voto útil que atingiu como um tsunami todos os partidos à esquerda do PS.

O LIVRE optou por uma narrativa de convergência desde o início e viu os seus resultados subir em relação a 2019, reconquistando o assento parlamentar. Ainda assim, as suas hipóteses de formar um grupo parlamentar foram destruídas com o voto útil.

A CDU perdeu metade da sua bancada, com a saída dos Verdes do Parlamento, depois de ter sido inesperadamente forçada a uma mudança de rosto a meio da campanha. A sua ausência de alguns debates televisivos, por mais louvável que seja o motivo, afastou-os da bolha mediática. Um refrescante João Oliveira deu novo fulgor ao partido, mas não convenceu os portugueses de que o chumbo do Orçamento do Estado (OE) tinha sido a melhor opção para o país.

O Bloco de Esquerda (BE) viu-se reduzido a uma bancada de cinco deputados, em virtude da comunicação do partido que parecia estar em contramão, insistindo numa leitura política errada do seu eleitorado, na sequência do chumbo do OE.  Não é motivo de regozijo uma força política de esquerda que tanto batalhou pelos direitos sociais e laborais, ter sido praticamente varrida do espetro político pela sua inconsistência e excesso de taticismo.

O PAN, não se assumindo nem de esquerda ou direita, aprendeu a lição da forma mais dura, a saber, a ideologia não pode estar desligada das causas políticas.

A comunicação política é um mundo que oscila entre as leituras que os partidos fazem do estado da nação e as narrativas que criam para alcançar o maior número de cidadãos. Mas o fator estabilidade ainda é o que mais importa para a maioria dos portugueses, a julgar pelos resultados inequívocos destas eleições.