Foi sem surpresa, embora com choque e indignação, que o país conheceu a posição do PCP relativamente à invasão da Ucrânia pela Federação Russa. Tal como os Bourbons, os comunistas não aprenderam nada e nada perdoaram, mantendo-se fiéis a um desabrido ódio ao Ocidente e, em particular, aos EUA. Recorrendo a uma pirueta argumentativa, exercício de destreza intelectual em que se especializou desde, pelo menos, o Pacto Germano-Soviético, o PCP conseguiu a proeza de fazer da América e da NATO os responsáveis últimos da ofensiva russa.

Embora condenando Putin, que inevitavelmente adjectivam de capitalista, os comunistas procuram diluir, através da ambiguidade do discurso, as responsabilidades russas, transferindo-as para o Ocidente, através de uma análise de contexto que, no fundo, mais não é do que um pretexto para atingir os culpados do costume. Segundo a arenga do PCP, terá sido a expansão da NATO que motivou o ataque russo, fazendo por ignorar que os países do Leste europeu aderiram à organização de forma voluntária e não se dando ao incómodo de perguntar por que decidiram fazê-lo: precisamente para evitarem o mesmo destino da Ucrânia.

Previsivelmente, a maior censura que Putin mereceu dos comunistas foi a de ter ofendido a fiel defunta União Soviética, de cuja memória o PCP insiste em ser um dos últimos guardiães, denunciando a grosseira deformação”, feita pelo presidente russo, “da notável solução que a União Soviética encontrou para a questão das nacionalidades e o respeito pelos povos e suas culturas.” Esta afirmação seria cómica se não ocultasse uma tragédia.

A URSS atacou as nacionalidades e o respeito pelos povos de forma flagrante; no caso da Ucrânia, muitos pereceram pela fome cruamente planeada e os intelectuais ucranianos foram perseguidos, deportados ou mortos, com o objectivo de eliminar qualquer expressão de identidade nacional. Talvez fosse tempo de os dirigentes comunistas retirarem o livro de Anne Applebaum “Red Famine: Stalin’s War on Ukraine” do Index da Soeiro Pereira Gomes, para se relembrarem do que realmente se passou.

Com uma divagação sobre as virtudes da paz, que de nada serve aos ucranianos, que estão envolvidos numa guerra que não provocaram, os comunistas põem em causa o direito destes à mais do que legítima defesa, ao deliberadamente confundi-la com uma escalada belicosa. Não é com cravos nos canos das espingardas que se combate uma invasão, mas com balas. Pretenderão os comunistas a rendição da Ucrânia, supostamente em nome da “paz”? Seria bom que esclarecessem.

Face à enxurrada de críticas de que tem sido alvo, o PCP queixa-se de ser alvo de uma campanha anti-comunista. Não lhe fica bem o papel de vítima numa tragédia em que não se distancia com absoluta clareza do agressor. Se prefere, em nome do purismo ideológico e dos seus ódios de estimação, estar do lado errado, tem que estar preparado para sofrer as consequências, que não se quedarão por aqui.

Prisioneiro voluntário da doutrina, ficará cada vez mais limitado a um punhado de fiéis incondicionais (pois o PCP não admite outro tipo de fidelidade), sendo condenado, a prazo, à irrelevância. Foi o destino que escolheu.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.