Jean Monnet dizia que a Europa “será forjada em crises”, à medida que a realidade obrigasse os estados europeus a trabalhar em conjunto para enfrentar desafios comuns. A invasão russa da Ucrânia está a ser um desses momentos: perante as imagens dos tanques russos a galgar fronteiras, foram colocadas em segundo plano as habituais discordâncias entre alemães e italianos, franceses e holandeses ou polacos e belgas.
Na resposta conjunta à agressão russa à Ucrânia, a União Europeia parece ter descoberto a sua verdadeira força. Foi um despertar geopolítico comparável ao dos EUA na sequência dos atentados de 11 de setembro, para não dizer mesmo do ataque a Pearl Harbour.
O expoente deste despertar geopolítico deu-se na Alemanha, que anunciou um gigantesco investimento adicional na defesa, no valor de 100 mil milhões de euros. O provável regresso da Alemanha ao estatuto de grande potência militar do continente europeu será, de resto, uma das principais consequências da invasão russa da Ucrânia. A Alemanha parece ter perdido os complexos e virado de vez a página no que toca às questões relacionadas com a defesa. Perante as imagens horríveis de pessoas inocentes mortas em bombardeamentos, até os Verdes alemães colocaram em stand by as convicções pacifistas.
O mesmo está a acontecer com outros estados membros da União Europeia, Portugal incluído. Nos próximos anos vamos assistir a um aumento do investimento na defesa, seja com recurso a eurobonds, seja canalizando verbas que até agora eram destinadas a outras áreas.
A invasão russa teve ainda o condão de unir e reanimar a NATO, reparando-se em poucos dias os danos que a presidência de Donald Trump causara na Aliança Atlântica.
Ainda há poucos anos, numa célebre entrevista, Emmanuel Macron afirmava que a NATO estava em “morte cerebral”. Hoje, até a esquerda mais radical terá dificuldade em justificar por que razão a NATO não deve existir, por muitos argumentos enviesados que alguns dos seus tribunos repitam nas televisões. O ataque russo à Ucrânia demonstra que os ucranianos têm razões legítimas para querer aderir à NATO, tornando igualmente claro que a melhor forma de evitar o mesmo destino é fazer parte da Aliança.
Nos anos 40, houve um general britânico que disse que a NATO existia para “manter os americanos dentro [da Europa], os russos fora e os alemães em baixo”. Hoje, para a esmagadora maioria dos europeus, que aceitam que os seus países contribuam mais para a defesa, a NATO existirá sobretudo para manter a Rússia afastada.
Quer isto dizer que Vladimir Putin está num beco sem saída? Ainda é cedo para extrair essa conclusão, pois neste momento ninguém sabe como irá terminar esta guerra, nem quais as condições que serão as acordadas para alcançar um cessar-fogo. Mas uma coisa é certa: a Rússia não voltará, tão cedo, a ocupar o lugar que lhe cabe por direito enquanto grande potência europeia capaz de manter boas relações políticas e económicas com os vizinhos.
Enquanto Putin estiver no poder, tal será simplesmente impossível. O que é mau sobretudo para os russos, mas também para os outros europeus, porque o comércio é o melhor antídoto contra a guerra. Só faz a guerra – voluntariamente – quem chega à conclusão de que há mais a ganhar do que a perder.