Em termos globais, não podemos deixar de encarar os últimos anos como aqueles em que, a nível macroeconómico, se constata o espoletar de verdadeiros choques exógenos, isto é, independentes da acção direta das autoridades dos diversos países.

Basta retermos o desencadear de uma violenta pandemia no início de 2020 que só agora dá sinais de abrandamento (mas ainda não chegou ao fim) e  a “explosão”, no final de Fevereiro deste ano, de uma brutal guerra desencadeada por motivações geopolíticas não totalmente imprevisíveis, corporizada numa invasão da Ucrânia pela  Rússia.

Ou seja, quando se projectava a recuperação das economias num pós-pandemia e quando a Europa, de uma forma inédita, como que “mutualizou” a concretização de Planos de Recuperação Económica e de Resiliência, eis que a oferta agregada sofre novo choque gerador de consequências imediatas, desde logo o abastecimento e o preço de bens essenciais (energia, combustíveis, alimentos base) .

Genericamente, quando uma economia sofre um choque exógeno intenso tende, no imediato, a sofrer um corte no nível do produto acompanhado de uma maior inflação. Respostas das autoridades no curto prazo apontam ou para políticas autónomas de estímulo da procura (designadamente política fiscal, de transferências/subsídios, de rendimentos e preços) que, per se, podem fazer “animar” o produto mas geram ainda mais inflação. Ou então – se se definir como prioridade conter a inflação (porventura já algo elevada) – aplicam-se políticas restritivas da procura que podem travar a subida dos preços, mas à custa de quebra no PIB.

Há, pois, que saber manusear as políticas da procura agregada com muita sensibilidade no imediato, com a consciência que mais do que uma determinada inflação de momento, mais gravoso se torna a manutenção a prazo de expectativas de reforço da mesma. A condução da política monetária ao nível do Banco Central Europeu constitui, na sua essência, um elemento de enquadramento das medidas a tomar no curto prazo.

Mas importa ter em conta que o que se necessita a prazo é criar as condições para reforço da performance de uma economia, ou seja, reforço da sua oferta agregada. O que exige uma melhoria da  modernização, produtividade e sustentabilidade em geral, enraizada em vários domínios infra-estruturais (materiais e imateriais) de uma economia.

Numa perspectiva de combate às sequelas da pandemia elaborou-se o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – independentemente das formas de formatação que cada Estado definiu – e, deste macro plano, espera-se um efeito alavancador da produtividade e sustentabilidade em termos da criação de mais sólida riqueza a prazo. Poderiam ter sido outros os focos operacionais do PRR, mas o certo é que estamos perante um instrumento alavancador da oferta agregada, e tal constitui um meio de amenizar  uma previsível tendência de estagflação.

Mas, complementarmente, surgem agora os efeitos da guerra Rússia-Ucrânia, gerando um quadro macroeconómico global que já mesmo antes estava alterado face ao programado na proposta chumbada do Orçamento 2022, carecendo este agora dos adequados reajustamentos, incluindo um reforço da despesa militar. E do mesmo modo importa clarificar que ajustamentos terão que também ser introduzidos na aplicação das verbas do PRR , afim de, dentro do possível, se maximizarem os tais saltos qualitativos na capacidade da oferta agregada num cenário tendencialmente mais proteccionista.

A discussão da proposta do próximo Orçamento para 2022 e a explicitação transparente do eventualmente ajustado PRR serão dois momentos-chave da acção política do novo  Governo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.