À boleia do dia internacional contra a corrupção, o primeiro-ministro de Portugal em entrevista ao “Público” veio manifestar publicamente a sua perplexidade por ninguém ter sido ainda condenado no processo GES/BES, dando como contraponto e exemplo de eficiência a justiça norte-americana no caso Madoff.
Li estas declarações e pensei que lhe iriam acertar o passo e que iria cair o Carmo e a Trindade. Mas não. Como é bom de ver, o passo segue a sua sorte e o Carmo e a Trindade continuam de pé. Mas mais preocupantes que as declarações em si foi o silêncio que se lhes seguiu.
Permitam-me que concretize: as declarações são infelizes porque são uma narrativa parcial da realidade. Tinha certamente em mente o primeiro-ministro de Portugal a circunstância de no dia 11 de dezembro de 2008, a SEC (Securities and Exchange Commission) e o U.S. Attorney’s Office do distrito de Nova Iorque terem acusado Bernard L. Madoff de uma fraude multimilionária, o qual, em 12 de março de 2009, viria a aceitar um acordo assumindo todas as acusações e tendo sido tal acordo confirmado 29 de junho pelo Juiz do Distrito Federal.
Parece espetacular, não é? Em sete meses arruma-se a coisa. Vezes sem conta nos mais diversos fóruns se faz a apologia desta justiça relâmpago por contraposição à nossa justiça caracol. O que normalmente fica por dizer – e o primeiro-ministro de Portugal também não julgou relevante referir – é que a investigação contra o Senhor Madoff e a sua organização foi iniciada pelo OCIE (Office of Compliance Inspections and Examinations) da SEC em 2005, sendo, aliás, uma investigação de tal forma desastrada, que deu origem a uma investigação sobre a investigação realizada.
Também normalmente se omite que só depois do colapso ter ocorrido é que se olharam com olhos de ver os elementos já recolhidos em momento anterior, designadamente, denúncias concretas da fraude já recebidas pelas autoridades.
E já agora também fica habitualmente por acrescentar que muitos setores da sociedade norte-americana acham muito suspeita esta apressada assunção de culpa individual por parte do Senhor Madoff (que dispunha dos recursos e advogados necessários para se opor durante anos às pretensões punitivas do estado, basta ver o exemplo O.J. Simpson) e pensam que haja servido o propósito de conter a investigação e deixar de fora muitos potenciais responsáveis pelo esquema de Ponzi verificado. Isto a par de deixar a sua família confortável do ponto de vista económico.
Vamos estando habituados à demagogia do discurso político. O que não é habitual é o ruidoso silêncio que ocorreu perante o atropelo às boas regras de Montesquieu, após a inadmissível ingerência do representante máximo do poder executivo, num caso que tramita, presentemente, debaixo da alçada de um outro poder da república.
Não ter aparecido ninguém – designadamente da instituição mais visada com a crítica –, a responder à letra às, aliás injustas, farpas lançadas, deixa-me a imaginar a existência de um acordo secreto e uma espécie de reedição do episódio de “engolir um sapo”. Desta feita não em função de um mal menor, mas em função de um suposto bem maior: uma justiça negociada.