O custo a suportar por Portugal do terceiro gasoduto com Espanha disparou mais de 100% em apenas dois anos. Entre os ‘culpados’ para esta subida dos custos está a adaptação da infraestrutura para transportar hidrogénio verde.
Em 2020, a REN – Redes Energéticas Nacionais estimava que o custo do gasoduto com 162 quilómetros de comprimento rondava os 140 milhões de euros, isto já incluindo a estação de compressão do Carregado, conforme estipulado no Plano de Desenvolvimento e Investimento da Rede de Gás Natural (PDIRGN) 2019, entregue em 2020 pela empresa à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
Mas o Governo estima agora que o preço de construção da infraestrutura venha a atingir um valor entre 0s 300 a 350 milhões de euros, uma subida entre 0s 114% e os 150% face ao previsto anteriormente. “A estimativa atual do custo da parte portuguesa desta interligação, considerando a configuração que permite maximizar o seu potencial de exportação de gás, que inclui reforço de capacidade da rede atual, deverá situar-se entre 300 a 350 milhões de euros, a precisar com maior rigor através do desenvolvimento dos estudos de pormenor”, segundo o ministério do Ambiente. O projeto deverá demorar dois anos e meio a ser concluído, “após a obtenção do licenciamento ambiental e a tomada de decisão final de investimento”.
A terceira interligação entre Portugal e Espanha está projetada a partir de Celorico da Beira, Guarda, seguindo depois para Vale de Frades, distrito de Bragança, entra em Espanha e depois liga-se à rede gasista espanhola em Zamora. Em 2018, a REN – Redes Energéticas Nacionais previa que o projeto estivesse totalmente completo em 2028. E há outro obstáculo: o projeto inicial mereceu o chumbo ambiental pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), sendo agora necessário alterar o traçado original.
Mas Espanha também tem trabalho a fazer do outro lado da fronteira, para ligar a sua rede (a partir de Zamora) até Vale de Frades na fronteira nordeste portuguesa. Até agora, Madrid tem estado em silêncio sobre este projeto e tem concentrado esforços no novo projeto com França, que fica localizado a mais de 750 quilómetros de Portugal, logo não tem o gás português em conta.
Mas como é que o preço disparou mais de 100% em 24 meses? A adaptação do projeto ao hidrogénio verde é um dos responsáveis pelo disparo nos custos, com o executivo a destacar os “objetivos de descarbonização da matriz energética através da aposta em gases de origem renovável, com destaque para o hidrogénio verde (e o papel de Sines neste âmbito), que conferem uma nova dimensão à rede de gasodutos existente, e que devem ser seguidos tendo em mente as estratégias de transição energética a nível europeu”.
Em Portugal, o terminal de Sines tem uma capacidade de gasificação de 8 BCM (mil milhões de metros cúbicos de gás natural), enquanto Espanha tem uma capacidade de gasificação de 69 BCM, repartida por sete terminais, incluindo um maior do que Sines que ainda nem entrou em funcionamento.
“Espanha só na fronteira junto ao Pirenéus tem quase 16 vezes mais a capacidade de armazenamento do que Portugal. Vamos ajudar como? Eles estão ali ao lado, podem dispensar: só 10% da capacidade de Espanha supera o total da nossa capacidade. Não faz sentido”, disse ao JE o especialista em energia António Sá da Costa.
Sobre o financiamento, o especialista destaca que este tipo de investimentos “são amortizáveis entre 35 a 50 anos, normalmente na casa dos 35 anos. Na melhor dos hipóteses, demora quatro a cinco anos a estar construída. De 2027 a 2050 são 23 anos e a Europa em 2050 quer ser neutra em carbono”.
Em relação ao hidrogénio verde, levanta algumas dúvidas: “O hidrogénio verde é feito à base de eletricidade e de água, que existem em qualquer parte do mundo. Para que é que vamos estar a transportar hidrogénio? Não faz para mim sentido nenhum criar hidrogénio (pegar na água e gastar energia para fazer hidrogénio) e depois voltar a pegar nesse hidrogénio para estar a fazer eletricidade (com uma eficiência na casa dos 30%). Porque é que não armazeno eletricidade de outra forma qualquer? Use-se a água nas centrais hídricas, em que a eficiência anda acima dos 80%. Defendo a produção local de hidrogénio verde para consumo local. Não se pode andar a transportar porque é caro e perigoso”.
Este projeto voltou a ressuscitar depois de o chanceler alemão ter defendido recentemente a construção de um gasoduto entre Portugal-Espanha e Alemanha para o país reduzir a sua dependência do gás natural russo. Mas a própria Alemanha está a fazer o seu caminho.
“A Alemanha, que é quem mais precisa do gás, está a construir terminais próprios, que estarão em funcionamento, antes do reforço da interligação entre Espanha e França”, segundo o especialista em energia António Vidigal.
“O primeiro terminal LNG flutuante (FSRU), da Alemanha, em estado avançado de construção. Mais rápido do que construir gasodutos. Um segundo FSRU virá a seguir. Com os dois FSRU, a Alemanha poderá receber até 12,5 bilhões de metros cúbicos (bcm) de GNL por ano, ou cerca de 13% do consumo de gás do país em 2021”, destacou o especialista numa publicação nas redes sociais. O primeiro FRSU terá uma capacidade de 7,5 BCM/ano “semelhante a Sines” e também é “semelhante à capacidade do gasoduto de interligação entre Espanha e França”. Deverá ficar operacional no próximo inverno.
Sobre o financiamento, a tutela de Duarte Cordeiro destaca que a “União Europeia tem instrumentos de financiamento como o Connecting Europe Facility – CEF, que são dedicados a apoiar os investimentos na construção de novas infraestruturas energéticas transfronteiriças na Europa ou na reabilitação e modernização das existentes, a fim de cumprir os desígnios da sua política energética. Temos a expetativa de que a UE reconheça este projeto como elegível para este instrumento de financiamento, como já se verificou no passado”.
No PDIRGN, estava previsto que os fundos europeus pudessem cobrir 82 milhões de euros do valor total (57 milhões para a interligação e 24 milhões para a estação de compressão do Carregado), caso Bruxelas reconhecesse o projeto. Isto significa que os fundos europeus não cobriam a totalidade do projeto e que o restante teria de ser pago pelos consumidores de gás natural.
A tutela recorda que a “terceira interligação Portugal-Espanha tem sido alvo de debate há mais de dez anos, e tem sempre existido coordenação entre os operadores de rede de Portugal e Espanha. O atual enquadramento requer um entendimento entre os estados-membros, uma vez que o que está em causa é consolidar uma posição de unidade e apoio mútuo, face às ameaças que as consequências de conflitos, como o que ocorre hoje, colocam ao próprio projeto europeu e à sua segurança de abastecimento energético”.
“Face à urgência da situação, e estando em questão a segurança do abastecimento na Europa, esta infraestrutura terá um acompanhamento próximo de todas as entidades, sem desrespeitar as regras de procedimento previstas na legislação”, segundo o ministério do Ambiente.
França rejeita sonho de Berlim e garante que não vai haver novo gasoduto com Espanha
O Governo francês rejeita investir num novo gasoduto com Espanha, que permitiria enviar o gás natural da Argélia para a Alemanha, que tenta a todo o custo aumentar as suas fontes de abastecimento para reduzir a sua dependência energética da Rússia.
O ministério francês para a Transição Energética rejeita apostar no gasoduto através do leste dos Pirenéus, o projeto MidCat. “Um projeto assim demoraria muitos anos para ficar operacional (o período para realizar estudos e obras para este tipo de infraestruturas demora sempre muitos anos) e não daria resposta à crise atual”, disse ao “El Pais” a tutela da ministra Agnès Pannier-Runacher na semana passada.
Paris aponta que uma “solução mais rápida” seria a construção de terminais marítimos que “permitem importar gás dos países do Golfo Pérsico e dos Estados Unidos”. “Estes terminais no norte e leste da Europa, e especialmente na Alemanha, representam investimentos menores e mais rápidos, se forem flutuantes”, segundo o ministério agora citado pela rádio espanhola “Cadena Ser”.
Sobre o uso de gasodutos para transportar hidrogénio verde no futuro, a tutela chuta para canto. “As incertezas são muito elevadas sobre as capacidades de produção e consumo de hidrogénio e, posteriormente, sobre a necessidade de uma infraestrutura desta envergadura com tanta antecipação”.
O executivo francês continua o seu argumento: “Antes de lançarmo-nos na construção de novos gasodutos também é preciso integrar os desafios climáticos, pois o nosso objetivo é prescindir das energias fósseis daqui até 2050. Para estarmos à altura do desafio energético e climático atual é preciso reduzir o nosso consumo de gás e acelerar o desenvolvimento de energias livres de carbono”.
O gasoduto tem uma extensão de quase 200 quilómetros entre Girona, Espanha, e Carcassonne, França, sendo necessário um investimento superior a 450 milhões de euros. O projeto foi abandonado em 2019 depois de os reguladores nos dois lados das fronteiras terem chumbado o projeto pela sua falta de viabilidade e elevados custos. O projeto também mereceu a oposição de associações locais e ambientalistas.
A história começa quando o chanceler alemão Olaf Scholz defendeu na semana passada a construção de um gasoduto entre Portugal-Espanha e França-Alemanha para reduzir a dependência gasista de Berlim face à Rússia.
O Governo espanhol veio logo a público defender a construção do gasoduto MidCat, mas este projeto fica a 750 quilómetros da fronteira lusa, logo o gás vindo de Portugal via porto de Sines ficou para trás.
O novo gasoduto entre Espanha e França pode estar operacional “no lado sul” em “oito ou nove meses”, disse a ministra espanhola da Transição Ecológica na semana passada. “A interligação pelos Pirenéus catalães pode estar operacional em oito ou nove meses do lado sul da fronteira”, afirmou Teresa Ribeira. Mas a resposta de Paris chegou agora, com a nega ao sonho de Olaf Scholz e de Teresa Ribera.
Já o gasoduto entre Espanha e França serviria principalmente para transportar o gás natural da Argélia que chega a Espanha através do gasoduto Medgaz que atravessa o Mediterrâneo e que entra na Europa através de Almeria na costa sul espanhola. Atualmente, existem outras duas interligações, mas são insuficientes para o gás que se considera necessário no próximo inverno no norte da Europa.
Depois de muitos avanços e recuos, em 2019 chegou a machadada final ao projeto: os reguladores em Espanha e França rejeitam o projeto devido à falta de viabilidade financeira e os impactos ambientais. Ao mesmo tempo, os projetos entre Portugal, Espanha e França têm ficado de fora dos envelopes financeiros comunitários.
Mas a costa mediterrânica oriental de Espanha também conta com três terminais de armazenamento e regaseificação de gás natural: Cartagena, Sagunto e Barcelona, isto é, estes portos podem receber gás de outros países para injetar diretamente na rede e enviar para o norte da Europa, com Portugal a ficar para trás.
O primeiro-ministro português disse na semana passada que o país tem os “trabalhos muito avançados” neste projeto: “são cerca de, creio, 160 quilómetros entre Celorico da Beira e o ponto da fronteira onde amarramos com a rede espanhola”.
“Há um traçado que agora está definido, cuidadoso, que protege os valores ambientais, que importa proteger também no Vale do Douro. Portanto, do nosso lado as coisas têm vindo a avançar, da Espanha também”, afirmou hoje, citado pela “Lusa”.
“A existência desta interconexão da Península Ibérica com o resto da Europa é uma ambição antiga” de Portugal, que tem sido confrontada “com uma dificuldade, que são as limitações ambientais que a França tem invocado sobre o impacto do gasoduto na travessia dos Pirenéus”. A resistência francesa, salientou, tem “atrasado bastante” a interligação hispano-gaulesa.
António Costa também disse que a “Alemanha pode contar 100% com o empenho de Portugal para a construção do gasoduto. Hoje para o gás natural, amanhã para o hidrogénio verde”. “o Porto de Sines poderá ser utilizado como plataforma logística para acelerar a distribuição de Gás Natural Liquefeito (GNL) para a Europa”, afirmou, segundo a “Lusa”.
A ministra espanhola disse na sexta-feira destacou que é “fundamental” a colaboração de França para que o gasoduto seja ligado do lado de lá da fronteira. “Desde o primeiro momento, que a nossa intenção é que esta interligação fosse financiada como um projeto europeu, que tínhamos de trabalhar de forma simultânea com o Governo francês. Faz pouco sentido andarmos a correr para que depois haja um beco sem saída no lado francês porque não se consegue evacuar com esse gás”.
“A interligação com a Catalunha é um projeto que não avançou porque não era viável economicamente num contexto em que o gás russo era muito mais barato”, disse, olhando para o passado recente. Sobre a terceira interligação Portugal-Espanha, Teresa Ribera não disse nem uma palavra.
A ministra revelou que está a trabalhar com as gestoras de redes de Espanha e de França para “acelerar uma primeira interligação com menor complexidade”. Depois, a Alemanha será convidada para integrar o grupo de trabalho para “melhorar as interligações com França”.
“A grande vantagem das declarações do chanceler Scholz é que destacam que as interligações na União Europeia não são uma questão bilateral. Até agora temos agido sozinhos com França. Um interesse maior dos estados-membros ajuda a facilitar os objetivos de interligação dos objetivos europeus” devido à situação de “urgência em vários países”, afirmou.
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