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“O bom desempenho da economia assentará na recuperação do turismo”

Economista analisa projeções do crescimento económico português, assentes no motor do turismo, e alerta para os riscos associados ao setor que, diz, ainda não recuperou do choque da Covid-19.
23 Julho 2022, 21h00

Várias instituições internacionais avançam com projeções mais fortes para o crescimento nacional este ano do que o Governo. Estas parecem-lhe adequadas? Quais são os principais riscos?
Eu divirto-me sempre bastante a ver estas discussões sobre diferenças nas projecções de crescimento económico, porque normalmente estamos a falar de meia dúzia de pontos percentuais, que caem na margem de erro que as previsões têm. Ou seja, diferenças sem qualquer significado estatístico. Num contexto de incerteza como o que vivemos, essa margem é ainda maior, portanto não valorizo especialmente os tons mais ou menos optimistas de uns e de outros. Mais importante são as revisões que cada instituição faz das suas próprias projeções e os fatores que lhe estão subjacentes, bem como as comparações internacionais. Que o bom desempenho da economia portuguesa assentará em grande medida na recuperação do sector do turismo parece reunir consenso.

O turismo deveria ser o motor da recuperação portuguesa este ano, mas o sector da aviação europeu enfrenta grandes dificuldades na época alta. Parece-lhe que fica em risco o objetivo de crescimento português para este ano?
O sector do turismo está intimamente ligado ao dos transportes, principalmente ao da aviação. Normalmente, as férias começam e acabam com um voo, portanto aquilo que se passa num aeroporto é a primeira e a última experiência que levamos de determinado lugar. Temos tido perturbações várias no sector do transporte aéreo, que não são exclusivas de Portugal. Problemas estruturais de capacidade dos aeroportos, greves de vários profissionais e até pistas que derretem por causa do calor têm levado a atrasos e cancelamentos. Talvez por isso o 12.º relatório do projeto ‘Monitoring Sentiment for Domestic and Intra-European Travel, da European Travel Commission’, mostre que, entre os inquiridos que expressaram a intenção de visitar Portugal, aumentou a percentagem dos apontaram as questões de política de cancelamento como uma das suas principais preocupações. Mas a subida dos preços preocupa mais. De modo que diria que não será o sector da aviação (ou só ele ou especialmente ele) a colocar em risco o objectivo de crescimento. Até porque notícias de caos nos aeroportos na época alta não são uma novidade de 2022. Agora, é provável que as férias sejam marcadas mais em cima da hora, o que obriga os empresários do setor do turismo a ter flexibilidade.

As receitas do turismo este ano já superam as de 2019 e uma análise da Unicre refere que as transações com cartões aumentaram 45% com a retoma do turismo. Parece-lhe que o sector já recuperou do choque causado pela Covid?
Parece-me que o está a recuperar a um bom ritmo, maior que o que se havia previsto no início da pandemia. Que as receitas do turismo no total dos primeiros quatro meses de 2022 já tenham ultrapassado o equivalente para 2019 é uma boa notícia. As receitas são um indicador importante, porque, no fundo, mais que quantos turistas nos visitam ou que quantas noites cá ficam, o que interessa é o dinheiro que deixam. No entanto, chamo a atenção para o facto de a evolução das receitas ser afectada pela inflação. Comparando 2022 com 2019, as receitas cresceram 0,7%, a inflação está nos 8%: não me parece, pois, que haja um crescimento real. De resto, o número de hóspedes continua aquém do nível de 2019 e o mesmo se passa com as dormidas. Portanto, a resposta é não, o sector ainda não recuperou do choque causado pela Covid – e isto é entendendo “recuperação” como voltar ao patamar de 2019, nem sequer é pensar em pôr-nos onde presumivelmente estaríamos se não tivesse havido a pandemia. Mas vamos ver o que acontece agora na época alta.

Como se explicam as dificuldades na contratação neste sector? Estas podem condicionar o impacto no crescimento do país no final do ano?
Eu sou uma pessoa que, reconhecendo a existência de falhas de mercado, acha que, mesmo assim, o mercado ainda é a melhor forma de organizar a actividade económica. Portanto, eu explico as dificuldades na contratação com aquela resposta cliché dos economistas: procura e oferta. Não conseguem atrair recursos humanos para o sector? Deve ser porque estão a pagar um preço abaixo do de equilíbrio. Claro que, se eu quiser contratar gambozinos, não me adiantará de muito subir os salários. Mas, felizmente, as pessoas para trabalhar na hotelaria e afins não são gambozinos: elas existem e nem têm nenhumas características genéticas especiais que as tornem raras. Se as remunerarem devidamente, elas aparecem e candidatam-se. O setor do alojamento, restauração e similares é aquele que tem a maior proporção de trabalhadores a receber o salário mínimo e manteve-se como o que tem a remuneração e o ganho médios mais baixos no conjunto da economia. Apesar do excelente desempenho da última década, que incluiu aumentos anuais médios da produtividade de 6%, os salários só cresceram 2%, não conhecendo um processo de convergência face às demais actividades económicas. Acho estranho. Não conseguem pagar melhor aos seus trabalhadores? Então, se calhar, todo o sucesso que têm tido não é sustentável, lamento dizê-lo.

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