Num curtíssimo espaço de tempo, a justiça portuguesa voltou às manchetes dos jornais pelos piores motivos. Primeiro, a polémica que envolve a distribuição de processos no âmbito de um esquema de corrupção, que originou a constituição do antigo presidente do Tribunal de Relação de Lisboa, Vaz das Neves, como arguido no processo Operação Lex.

Depois, a notícia de que o Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu, por unanimidade, instaurar processos disciplinares a três juízes desembargadores da Relação de Lisboa – Orlando Nascimento, Vaz das Neves e Rui Gonçalves – na sequência de uma auditoria aberta pelo CSM para avaliar eventuais fraudes na distribuição de processos naquele tribunal.

Perante as graves suspeitas de abuso de poder que surgiram, é de louvar a decisão célere do CSM, que se mostrou empenhado em encontrar a verdade dos factos. Fica é a dúvida de que esta celeridade não tem a ver diretamente com a necessidade de mostrar serviço rápido da parte de quem cabe fazer aquilo ‘que nenhum outro poder do Estado pode e deve fazer’.

Na verdade, estamos perante um problema que cabe à justiça, mas também de um problema político. Existe uma perceção generalizada da necessidade absoluta de valorizar e fortalecer a democracia em Portugal, sendo a justiça um pilar essencial neste processo. Os portugueses precisam de acreditar verdadeiramente que ninguém está acima da lei e que quem a viola é punido.

Para que os cidadãos confiem na justiça e na transparência dos processos, só uma revisão de todo o seu modus operandi, do seu funcionamento aos tempos de resposta, dos recursos existentes aos custos de acesso, o poderá permitir. É neste ponto que se torna uma questão política, porque são necessárias leis que dependem de decisões constitucionais, do governo e da assembleia da república.

Os casos polémicos dos últimos dias não descredibilizam só a justiça, mas também a democracia e Portugal. Ainda que, nesta fase, não existam culpados, a simples existência de suspeitas ou de indícios já provocam estragos, que podem ser muito difíceis de reparar. A opacidade, a falta de transparência e sobretudo a dúvida no funcionamento das instituições democráticas são uma doença perigosa, com uma cura lenta e dolorosa.

O que todos temos de reclamar na forma como a justiça está a funcionar em Portugal e para que casos como estes não existam nem se repitam é uma necessária reforma na justiça. Necessária e urgente.

É preciso aumentar a eficácia nos processos e recuperar a confiança no sistema da justiça, evitar as condenações na praça pública e as quebras do segredo de justiça (só para citar alguns exemplos, o BES, a PT, Berardo, Sócrates, CGD), aumentar os meios e os recursos da investigação, melhorar a capacidade técnica para lidar com processos mais complexos. Está quase tudo por fazer, mas quase tudo parado por questões político-partidárias de quem governa. Enquanto isso, o país vai assistindo a um sem número de acusações e julgamentos na comunicação social e a sentenças que tardam, minando a pouca confiança que ainda tem na sua justiça.

Recuperar a transparência, a verdade e a eficácia da nossa justiça, eis a necessidade que se impõem e que está nas mãos dos partidos e do governo. Não pode ser só a justiça a decidir sobre a justiça. A política tem algo a dizer neste processo. E não é pouco.