O primeiro-ministro António Costa disse duas coisas muito importantes, na sua declaração ao país, ontem à noite. Uma é que o “primeiro dever de cada um é cuidar do seu próximo”. A outra é que “devemos desejar o melhor, mas estar preparados para o pior”.

Estas duas frases resumem, de forma perfeita, a situação em que nos encontramos. Só conseguiremos superar esta crise se estivermos unidos e cada um desempenhar o seu dever, que é contribuir para a não-propagação da doença, fazendo o humanamente possível para não contagiar outras pessoas, nomeadamente as que têm saúde mais frágil. Neste momento não deve haver direita nem esquerda, socialistas ou sociais-democratas, comunistas, bloquistas ou democratas-cristãos. Somos todos portugueses e estamos no mesmo barco. Só conseguiremos salvar o maior número possível de vidas se todos fizermos a nossa parte.

A segunda ideia a reter do discurso de Costa é que esta situação poderá prolongar-se por vários meses e que o país tem de estar preparado para essa eventualidade. Pela primeira vez em muitos anos, estamos perante uma situação de calamidade em Portugal. Ao contrário do que muitos ainda defendem, o Covid-19 não é apenas uma espécie de gripe forte, pois é mais contagioso e mortifífero do que esta. Enquanto a gripe tem uma taxa de letalidade de 0,2%, o Covid-19 mata cerca de três por cento dos doentes, com esta taxa a variar consoante a capacidade de resposta dos serviços de saúde e o número de pessoas vulneráveis existentes num determinado país. Por exemplo, Portugal tem mais idosos e doentes crónicos do que a China, em termos relativos, pelo que aqui a taxa de mortalidade poderá ser superior.

Além disso, cerca de 10% dos doentes com Covid-19 precisam de cuidados intensivos, o que leva a que, devido à falta de meios, os médicos possam ser forçados a ter de escolher quem salvar, tal como já acontece em Itália. Se atingirmos uma situação de descontrolo, com o vírus a chegar a 70% da população mundial no espaço de um ano – cenário admitido por alguns especialistas e pela chancelerina alemã Ângela Merkel -, o número de vítimas fatais em Portugal estaria na casa das dezenas de milhar. À escala global, seriam dezenas de milhões de mortos.

São estes números assustadores que explicam as medidas radicais que os governos de todo o mundo estão a tomar para tentar conter a epidemia, de modo a reduzir a pressão sobre os sistemas de saúde e a dar tempo para o desenvolvimento, produção e distribuição de uma vacina eficaz. Em suma, os governos estão a tentar ganhar tempo, para que os hospitais consigam dar resposta à situação e para que os cientistas desenvolvam uma solução que previna a doença.

Resta saber se as medidas ontem anunciadas pelo Governo serão suficientes. Seria necessário ir mais longe, restringindo a liberdade de movimentos dos cidadãos, como se fez na China continental ou em Macau? Ainda é cedo para saber, mas para fazer isso seria necessário declarar o estado de emergência por motivo de calamidade pública, uma medida que está prevista na Constituição mas que exige um decreto especial do Presidente da República, após ouvir o Governo e com autorização do Parlamento.

Por fim, esta crise tem um impacto significativo na economia, causando fortes prejuízos no turismo, na hotelaria, na indústria e em setores onde o teletrabalho não é possível. Em qualquer cenário, do mais leve ao mais extremo, Portugal e a maioria dos países europeus só conseguirão fazer face aos efeitos económicos desta crise se a nível da União existir uma resposta coordenada e se as metas orçamentais forem colocadas em stand by. Até porque o excedente e a possibilidade de recorrer ao endividamento devem existir precisamente para enfrentar crises como esta e não para construir elefantes brancos. Tempos excepcionais exigem medidas excepcionais. Haja coragem para tal.