Um dos maiores obstáculos à tomada de boas decisões pelos líderes é o respeitinho. A regra, impregnada na cultura de algumas organizações, impede que as pessoas abram o bico, discordem dos líderes e expressem o que realmente pensam.
Na tomada de decisões complexas, esta inibição é perigosa – pois conduz os líderes a escolhas que não incorporam o conhecimento e as perspetivas presentes na equipa. Ademais, não havendo partilha de ideias e perspetivas, a aprendizagem individual e a coletiva não ocorrem. Como resultado, as decisões são mais pobres e podem mesmo ser perigosas.
Quando prestamos atenção aos escândalos ocorridos com o BES, a Volkswagen, a Wells Fargo, a Boeing, a Theranos, o Lehman Brothers, a Nissan/Ghosn e mesmo a Raríssimas, encontramos sistematicamente o mesmo pecado: matando o mensageiro da má notícia, confundindo discordância com deslealdade, não sabendo ouvir um não, o líder cria condições para que as pessoas não abram o bico, os problemas sejam ignorados e o escândalo vá fermentando até cair na praça pública.
Naturalmente, a responsabilidade não pode ser atribuída apenas aos líderes. Veja-se o que ocorre na entourage de Trump. Alguns dos seus antigos detratores são agora seus entusiásticos apoiantes e trabalham para ele. Os que se atrevem a contrariá-lo são despedidos e destroçados na praça pública.
Como consequência, temos hoje um trumpismo constituído por Trump rodeado de um aglomerado de sicofantas e cúmplices silenciosos. Embora alguns comunguem da cartilha de Trump e se identifiquem com a sua “ideologia” e o seu estilo, outros procuram simplesmente poder e benesses, e alguns têm medo. Muitos não têm coragem de transmitir a verdade ao poder. Processos similares ocorrem, ou ocorreram, em algumas empresas, nas quais os yes-(wo)men são escolhidos e promovidos.
Do que precisamos, pois, é de líderes corajosos para ouvir a crítica e a discordância, e de liderados com o perfil de radicais temperados. Estas pessoas são radicais porque têm a coragem de pensar pela sua própria cabeça, expor críticas e remar contra a maré. São temperadas porque o seu foco é a melhoria da qualidade das decisões e o contributo para o melhor funcionamento da equipa. São, por vezes, autênticos advogados do diabo – questionando o statu quo e apontando detalhes que os outros consideram comezinhos. Alertam para problemas quando ninguém quer ouvir falar de problemas.
Conviver e trabalhar com radicais temperados não é, pois, fácil nem confortável. Mas a sua presença é crucial para a tomada de melhores decisões e um mais eficaz funcionamento das equipas.
Anne Mulcahy, por muitos considerada a salvadora da Xerox, escreveu o seguinte num texto publicado na Harvard Business Review: “Necessitamos de críticos internos: pessoas que sabem o impacto que estamos a ter e que têm a coragem de nos facultar feedback. Aprendi a criar esses críticos desde o início, e isso foi realmente, realmente útil. Isto requer um certo conforto com a confrontação, e dureza, pelo que é uma competência que tem que ser desenvolvida. (…) As decisões resultantes de permitirmos que as pessoas tenham diferentes perspetivas (…) são muitas vezes mais difíceis de implementar do que as decisões que provêm de consensos, mas também são melhores”.
Em suma: respeitinho e respeito são coisas muito diferentes.