Perante a inevitável relevância mediática da Covid-19, não deve ser descurado o seu possível impacto nas relações contratuais a título de força maior. Para tal, e face à insuficiência de critérios legais, questiona-se que tutela é conferida aos contraentes lesados (ou lesáveis), sem prejuízo da sua efetiva previsão contratual (e.g., apólice de seguro).

Como pugnou o STJ (Ac. 09/1994), à força maior subjaz o cumprimento de dois critérios: a relevância do acontecimento natural ou ação humana; e a inevitabilidade, ainda que previsível, da sua consequência por incumprimento por exceção de non adimpleti e pela sua resolução. Vasta jurisprudência (e.g., Ac. Relação de Coimbra 02/2017; Ac. STJ 06/2017) correlacionou aquele entendimento à subsunção no art. 790ºCC, sob epígrafe “Impossibilidade objetiva”.

Tal conceção afasta a responsabilidade do devedor e extingue a obrigação por impossibilidade. Por devedor, entenda-se a companhia aérea ou a transportadora sujeitas a vicissitudes que obstam ao pacta sunt servanda – atente-se o caso em que a prestação do credor é paga upfront face ao cumprimento da prestação do devedor.

Neste exemplo, a restituição prevê-se com base no enriquecimento sem causa. Por inquestionável que se faz indevidamente às custas de outrem, analise-se o pressuposto da falta de causa justificativa, i. é “sempre que o direito não o aprove ou consinta, dado não existir uma relação ou um facto (…) que legitime o enriquecimento” (Ac. Relação de Coimbra 11/2010). Se pelo ónus que lhe incumbe o credor provar a ausência dos factos constitutivos, aplica-se o regime do art. 790ºCC.

Porém, considerem-se casos do incumprimento, tanto por exceção de non adimpleti contratual, como pela sua resolução. Quanto à aquela, se nos contratos bilaterais “não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo” (art. 428ºCC).

Com base no princípio da boa-fé (art. 762º/2CC), é exigida uma apreciação casuística da gravidade de non adimpleti que atenderá à limitação imposta pelas consequências do Covid-19 e impõe a aplicabilidade das regras da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da exceção, sendo oponível a terceiros (art. 431ºCC).

No que respeita à resolução do contrato, a sua admissão deve fundar-se “na lei ou em convenção” (art. 432º/1CC). Porém, qual a solução se optarmos pela resolução com base na alteração das circunstâncias em virtude da Covid-19? Serão de invocar dois requisitos: a alteração relevante das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão contratual; e que a exigência da obrigação à parte lesada afete gravemente os princípios da boa-fé não coberta pelos riscos do negócio.

Aquele cumprir-se-á se considerarmos as restrições à liberdade de circulação, impostas por decisão governamental, enquanto modificação anormal. Algo que será casuisticamente apreciado quanto ao segundo, pois só assim se discerne enquanto risco do negócio nos termos da boa-fé.

Sem prejuízo de cláusula contratual, o cumprimento das obrigações será excecionado em virtude da força maior e, se for caso disso, resolvido o contrato em definitivo se o impedimento em causa o sustentar. Deste modo, recomenda-se um check-up contratual ao regime aplicável onde deverão constar as possíveis vicissitudes na relação contratual e as necessárias medidas a adotar.