Dois meses depois do início do ano, sabemos já que nenhuma das previsões de crescimento económico para 2020 se vai cumprir. O primeiro trimestre do ano não vai ser bom e o segundo será necessariamente pior.
Os níveis de produção na China, após paragens quase totais desde o final de janeiro pela conjunção do ano novo com o alerta sanitário devido ao coronavírus, situam-se neste momento entre 40% e 80%. Resta a dúvida sobre como será o perfil de recuperação durante o resto do ano, embora o cenário central seja de regresso à normalidade no terceiro trimestre.
A crise Covid-19 mostra que as emoções, e particularmente o medo, são mais contagiosas que os vírus e produzem impactos muito superiores na economia do que os das guerras comerciais. Entre os setores mais afetados encontram-se os de maior intensidade tecnológica, fortemente dependentes de componentes chineses cujas cadeias de fornecimento têm sido afetadas pelas drásticas medidas de contenção nesse país.
A título de exemplo, 5% de todos os computadores pessoais que abastecem os mercados mundiais com marcas como Apple, HP ou Lenovo saem das fábricas de Wuhan, o epicentro da epidemia.
Paradoxalmente, a minimização do impacto desta crise de saúde pública e de outras que possam surgir no futuro dependerá fortemente da virtualização, através das tecnologias suportadas nessas cadeias de valor atualmente quebradas, de muitas atividades que hoje continuam a ser predominantemente físicas.
O teletrabalho é uma das medidas simples e imediatas a adotar para mitigar o risco de contágio, sendo que esta epidemia está a promover a maior experiência da história no que toca a trabalho remoto. Para isso, Portugal conta com uma das melhores redes de comunicações do mundo, mas os sistemas informáticos das empresas não estão, na atualidade e de forma geral, suficientemente dimensionados e protegidos para acomodar esta mudança.
No extremo oposto, os serviços de videoconferência estão a viver uma época dourada, assim como outras tecnologias que evitam o contacto físico, como os sistemas de pagamento contactless ou os sistemas de medida de temperatura à distância que equipam os capacetes dos polícias chineses.
Como consequência das guerras comerciais, das pandemias e da evolução tecnológica, daqui a uns anos as cadeias de fornecimento serão totalmente diferentes. A robótica e as novas tecnologias estão a permitir aproximar as fábricas do consumidor, de forma a reduzir custos e riscos.
De forma análoga ao que acontece com os vírus informáticos, deveremos dispor no futuro de sistemas pessoais de deteção e mitigação. E, como já está a acontecer na China, os robôs terão maior presença no atendimento hospitalar aos doentes e na distribuição de alimentos e medicação nas zonas potencialmente contaminadas.
As novas tecnologias, protagonistas da transformação digital, chegam em nosso auxílio perante as novas ameaças à sobrevivência da humanidade. Cabe-nos agora garantir que aplicamos corretamente o seu potencial e evitamos que, elas próprias, se transformem numa ameaça adicional para o nosso modelo social.