Só no sector petrolífero é que uma grande empresa suspende a produção offshore num país africano e as suas cotações em Nova Iorque conseguem subir 10,6%. Foi o que aconteceu hoje com a “Supermajor” Chevron, depois de ter suspendido a sua produção em Cabinda, Angola. Quando os contratos de futuros do petróleo WTI – West Texas Intermediate fixaram esta quinta-feira, 26 de março, a cotação de 23,16 dólares por barril – que traduz mínimos de 18 anos – a petrolífera Chevron “luzia” uma cotação de 76,38 dólares por ação, o que equivale a uma subida superior a 10%, na Bolsa de Nova Iorque, às 16h50 locais. Parece difícil, mas é verdade. O Jornal Económico conta o que se passou.
A suspensão da exploração das plataformas petrolíferas localizadas em águas profundas do mar de Cabinda, por tempo indeterminado – que abrange atividade da subsidiária da norte-americana Chevron, a Cabinda Gulf Oil Company – CABGOC –, foi justificada formalmente pelos “danos financeiros causados pela Covid-19”.
Mas, na realidade, ocorre num momento em que a “Supermajor” Chevron tem em curso um programa de alienação de ativos, entre os quais já concretizou a venda da sua participação no campo de Malampaya, nas Filipinas, que rendeu mais de 500 milhões de dólares. Em abril será a vez de vender as suas participações no Azerbaijão, bem como num pipeline que serve essa região.
A decisão da Chevron suspender a exploração em Cabinda “não pode ser vista como prejudicial para esta gigante petrolífera”, referiu ao Jornal Económico um especialista no sector, considerando que “os operadores de mercado sabem que a decisão não afeta a companhia, o que se vê pela evolução das suas cotações na Bolsa de Nova Iorque, onde, esta quinta-feira, 26 de março, registou várias subidas pronunciadas, batendo os 75,81 dólares por ação às 11h55 de Nova Iorque, ou os 75,72 dólares às 12h35 locais, quando às 9h35 cotava a 68,55 dólares por ação”. Efetivamente, horas depois, a Chevron valorizava 7,37%, às 19h20 de Lisboa, sendo negociada nos 74,27 dólares por ação. Até ao fim da sessão as suas ações ainda subiram mais.
Medidas “anti” Covid-19
É certo que a Chevron Corporation (a casa-mãe, com sede em San Ramon, na Califórnia, que já conta com 141 anos de atividade, pois tem origem na Standard Oil of California, a Socal) anunciou várias medidas que está a adotar, em resposta às condições do mercado, sobretudo, para enfrentar a crise da Covid-19.
É o caso da redução de 20% nos gastos de exploração em 2020, bem como cortes de gastos no portefólio, entre os quais, reduções de dois mil milhões de dólares no sector do shale oil na bacia de Permian (em Midland e no Delaware), mais cortes de 700 milhões em projetos de uspstream, mais 500 milhões de reduções de gastos em negócios diversos, dispersos por ativos americanos e ativos localizados nos mercados internacionais e, ainda, mais 800 milhões de dólares de cortes no segmento dos produtos químicos.
O presidente e CEO da Chevron, Michael Wirth, é conhecido pela gestão dinâmica que gosta de imprimir nas empresas, e as últimas decisões da “Supermajor” refletem isso. As atividades que continuam operacionais no mar de Cabinda resumem-se a duas plataformas para fornecimento de gás natural em Malembo e Soyo.
Todas as restantes interromperam a extração petrolífera, atendendo a que os reservatórios que recebem este petróleo estão totalmente cheios. Os trabalhadores da CABGOC foram para casa durante 40 dias, o que no quadro da pandemia de Covid-19 já seria uma medida aguardada.
A presença da Chevron em Angola foi iniciada nos anos 30 do século XX, e foi responsável pela introdução dos produtos da Texaco no mercado angolano. A CABGOC explora duas concessões, designadamente, o Bloco 0, na costa da província de Cabinda, e o Bloco 14, em águas profundas. Também participa na numa parceria onshore, a Angola LNG, que é uma central de gás natural no Soyo, com uma produção de 5,2 milhões de toneladas métricas de gás.
CABGOC começou em 1954
Deve-se em parte significativa ao grupo desta “Supermajor” o desenvolvimento da exploração e produção petrolífera em Cabinda, que começou em 1954 quando a CABGOC realizou o primeiro estudo geológico local. Em 1958, em Ponta Vermelha, foi inaugurado o primeiro poço em terra. Oito anos depois, em 1966, realizou-se a primeira descoberta no offshore, no Campo de Malongo e a primeira extração de petróleo da Chevron ocorreu em 1968. Em 1971 foi a vez da descoberta do Campo de Takula.
Em 1975 foi descoberto petróleo no Bloco 2 do Campo de Essungo. Só em 1986 é que as explorações petrolíferas anteriores da Chevron coincidiram com a delimitação geográfica do campo petrolífero operado pelo Bloco 0 em Angola. Em 1990, no Campo de Takula, o grupo Chevron passou a utilizar a injecção de água para manter pressão necessária à produção.
Em 1997, a Chevron anunciou a descoberta do Campo de Kuito – que foi a primeira de uma série de descobertas de petróleo no Bloco 14. Em 1999, o Campo de Kuito tornou-se o primeiro campo em águas profundas a produzir petróleo em Angola.
A Texaco, do Grupo Chevron, iniciou em 2000 os trabalhos de engenharia da Angola LNG, o projecto de gás natural liquefeito (GNL) de Angola, bem como a primeira central de GNL no mundo abastecida com o próprio gás. Em 2015 a produção petrolífera da Chevron atingiu cinco mil milhões de barris nos blocos 0 e 14, dos quais, mais de mil milhões de barris foram produzidos no Campo de Takula.
Oleoduto no rio Congo
O projeto seguinte foi o da construção do oleoduto da travessia do Desfiladeiro do Rio Congo, que ficou concluído em 2016, enquanto aumentavam os carregamentos da central de GNL em Angola. Em 2017, iniciou-se a produção do campo offshore de Mafumeira Sul, onde, em 2018, foram perfurados seis poços novos poços, com a plataforma principal a debitar uma produção total diária de 52 mil barris de petróleo. Para a fábrica da Angola LNG seguiam 147 milhões de pés cúbicos de gás natural.
A presença da Chevron em Angola acompanhou as várias fases da vida, antes e depois da independência, sendo um dos produtores de referência do petróleo angolano e um dos grupos industriais que dá maior contributo para a receita orçamental angolana, direta e indiretamente. Uma das operações da Chevron que poderia ter mudado o rumo dos projetos de exploração de petróleo e gás natural entre os países de língua oficial portuguesa ocorreu no primeiro semestre de 2019, há quase um ano.
Nessa altura, a Chevron esteve quase a concluir a compra da Anadarko Petroleum Corporation, com sede em The Woodlands, no Texas, que possuía ativos muito relevantes em África e em Moçambique. A Occidental, mais conhecida por Oxy, com sede em Houston, atravessou-se nas negociações e ofereceu 55 mil milhões de dólares pela Anadarko. A seguir, os ativos de gás natural de Moçambique foram vendidos aos franceses da Total.
A 9 de maio de 2019, o presidente e CEO da Chevron comentou o negócio que não chegou a concluir: “Ganhar em qualquer ambiente não significa ganhar a qualquer custo. O preço e a disciplina financeira importam sempre e nós não vamos diluir os nossos lucros, ou retirar valor aos nossos acionistas, só para fazer um acordo”.
Wirth não vacila frente à crise gémea
Voltando ao presente, a lógica da Chevron mantém-se a mesma. Face à crise gémea da Covid-19 e da guerra de preços no petróleo, a orientação de Michael Wirth na liderança da “Supermajor” nem vacilou. “Com um balanço patrimonial líder do setor petrolífero e um programa de capital flexível, acreditamos que a Chevron é resiliente e que está posicionada para suportar esse ambiente desafiador”, comentou o presidente e CEO da Chevron.
“Dada a queda nos preços das commodities, estamos adotando medidas que devem preservar o fluxo de caixa, apoiar a força do nosso balanço, diminuir a produção no curto prazo e preservar o valor no longo prazo”, adianta Wirth.
Parece simples, mas “efetivamente só adota uma posição destas quem sabe muito de petróleo”, adiantou ao JE uma fonte do sector. Porque, no sector, ninguém duvida que a Chevron percebe de petróleo, e que o petróleo está no seu ADN.
Seguindo uma terminologia que classifica o tipo de parentesco, muito utilizada em Angola, a Chevron é “meia-irmã” das restantes “Supermajors”: Foi “meia-irmã” da Saudi Aramco, da Exxon, da Mobil (hoje ExxonMobil), da Texaco (hoje integrada na Chevron), da Shell e da BP. Todas seriam uma única empresa se os EUA, e a lei anti-trust de Sherman, de 1890 – do mesmo ano do Ultimato britânico a Portugal –, não tivessem obrigado a super-gigante Standard Oil, fundada em Ohio, por John Davison Rockefeller, a ser partida “às postas”.
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