António Costa recusa a palavra austeridade. Deve pensar que somos todos uns otários. Bom, na realidade, ganhou as eleições – e, por isso, faça o que fizer, desde que se mantenha exímio em matéria comunicacional, saímos disto sem qualquer processo de austeridade. Mas a recusa pode ter outra razão. O Priberam diz que austeridade significa rigor e severidade, e indica como palavras relacionadas incorruptibilidade. Hummm… pode ser por aqui a explicação para a recusa em utilizar a palavra.
Rigor e incorruptibilidade não são exactamente os padrões a que os nossos governantes nos têm habituado. E é por isso que, na realidade, nunca sairemos da austeridade, fale-se ou não nela. No pós troika, deu-se uma voltinha e ficou tudo na mesma. António Costa deve inspirar-se naquelas pessoas que dizem “mudei radicalmente a minha vida, foi uma viragem de 360 graus”!
Parece-me já óbvio para todos que só há um caminho – a Constituição tem de ser alterada para que uma verdadeira e efectiva reforma do Estado seja possível, e rapidamente levada a cabo. O impacto brutal que a covid-19 terá na economia não vai permitir outra alternativa que não a revisão e redução profunda das despesas do Estado. Porque o modelo seguido nos últimos anos, de aumento continuado de impostos, está esgotado.
Dei nota em artigo anterior que para um ordenado líquido de 1.800 euros, o Estado recebe o mesmo que o trabalhador. A entidade empregadora, para esse mesmo ordenado, tem um custo efectivo de quase 3.600 euros – estamos a falar do dobro! Acima destes 1.800 euros líquidos, a que corresponde um ordenado bruto de cerca de 2.770 euros, o Estado recebe sempre mais do que o trabalhador. E quanto mais elevado for, maior é esta discrepância a favor do Estado.
Para uma remuneração bruta de 25.000 euros, por exemplo, o trabalhador leva para casa 11.175 euros enquanto o Estado arrecada 20.012,5 euros. Ordenados brutos anuais de 37.000 euros já estão num patamar de IRS de 45%! Além de que em períodos de forte recessão, os valores do desemprego atingem níveis assustadores com repercussão apenas no sector privado.
A Constituição pretende assegurar a igualdade entre os portugueses. Os próximos tempos vão exigir exactamente isso. Que o esforço de recuperação atinja todos por igual e isso passará forçosamente pela reforma do Estado, consecutivamente adiada.
O Estado tem de emagrecer. Não sou contra o Estado. Mas o Estado tem de ser pensado e gerido como uma empresa com objectivo de “lucro económico nulo”, e não permitir um acumular de “prejuízos” sucessivos com a certeza de que sempre que for preciso, o contribuinte pagará. E tem de dar o exemplo de rigor e profissionalismo, de produtividade e eficácia.
Em 2018 os organismos do Estado gastaram 21,7 milhões de euros “só” em contratos de assessoria jurídica externa, traduzidos por 547 contratos, 459 dos quais por ajuste directo. O Banco de Portugal foi líder, ao gastar 5,1 milhões de euros. Sendo que no Banco de Portugal o valor médio de remunerações é de 5.000 euros brutos mensais e, a avaliar pelo que se tem passado na banca, não podemos sequer dizer que têm feito um grande trabalho.
No orçamento para 2020 estão previstos 119 milhões de euros para “estudos, pareceres, projectos e consultoria de escritórios de advogados e outros especialistas”. Este valor compara com os 97,5 milhões orçamentados para 2019, ou seja, um acréscimo de 22% sobre um valor que já me parece um disparate.
Enquanto isto, no final de 2019 as despesas com ordenados do Estado representaram 22,6 mil milhões de euros, mais 900 milhões do que no ano anterior. Parece-me que há aqui claramente um desencontro em número e qualidade entre as competências que são necessárias e relevantes, e as que existem e proliferam no Estado.
Até à covid-19 (e assim será pós covid-19) era notória a incapacidade do SNS dar resposta às necessidades. A justiça continua a não funcionar. Transportes públicos? Se sairmos do centro de Lisboa e Porto, não existem. Os professores têm uma média etária altíssima.
Há anos que defendo que os políticos devem ganhar mais – este ponto é, naturalmente, muito controverso mas é fundamental para que os melhores tenham interesse pela função ao invés de lhes servir como um trampolim para outros interesses que não serão certamente os do país. Já os direitos adquiridos e garantidos por se terem desenvolvido funções políticas em algum momento da vida, devem ser eliminados.
A remuneração deve ser justa para a função desempenhada enquanto o é, ponto final. E deve existir um número de anos máximo para o desempenho de cargos políticos. É preciso renovar. Muitos anos a fazer o mesmo cria vícios, retira motivação, desacelera.
Os privilégios dos magistrados e dos juízes do Tribunal Constitucional (TC) devem igualmente ser eliminados. Os juízes conselheiros têm uma remuneração acima do primeiro-ministro? Porquê? Os juízes do TC podem reformar-se aos 42 anos? Porquê? Como se justificam estes privilégios? Onde é que está a igualdade entre portugueses que o próprio TC deve garantir?
Defendo também que médicos, enfermeiros e forças de segurança sejam melhor remunerados. Mas uma vez mais, sem carreiras ou direitos garantidos. Com condições capazes para o desempenho das suas funções. Os professores representam uma miscelânea de situações que têm de ser por si só ajustadas. Esqueçam as carreiras garantidas e permitam que colegas que fazem o mesmo entrem nos quadros.
Sempre que frequento serviços públicos tenho a sensação de que 40% trabalham por eles e pelos outros 60%. Estes 40% devem ser melhor remunerados. E os restantes 60%? Em minha opinião, se estão desmotivados para a função que desempenham, podem sempre optar por trabalhar no sector privado ou de forma independente, onde poderão ter outro tipo de iniciativa, mais liberdade, ser mais activos, mais felizes e empreendedores e onde a sua remuneração não fica a cargo dos contribuintes.
E depois temos as intermináveis despesas e contribuições do Estado com comissões, fundações, agências, etc., etc., etc..
O Estado tem de ter uma dimensão reduzida e ser o melhor naquilo que faz. Tem de ser gerido criteriosamente. Não pode haver desperdício, falta de transparência ou corrupção. Enquanto tal existir, não podemos baixar impostos, e por isso estamos em austeridade. Quer o António Costa o queira assumir, quer não.