A decisão de realizar na Assembleia da República a cerimónia comemorativa do 25 de Abril está longe de consensual neste ano da (des)graça de 2020. Sinal disso é o facto de circularem nas redes sociais duas petições de sentido completamente contrário.
Uma a solicitar o cancelamento da cerimónia. Outra a apoiar as palavras do presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, segundo as quais nunca como agora faz sentido a celebração de Abril. Posições extremadas que inviabilizam qualquer solução intermédia. Cada parte ciente de que a razão lhe assiste.
Uma situação que apela aos sentimentos como forma de construir uma aparente racionalidade. Tudo porque sendo verdade que a declaração e a posterior manutenção do estado de emergência não implicam a suspensão da democracia, não é menos real que a situação de exceção acarreta a limitação de alguns direitos individuais.
Os defensores da manutenção da cerimónia escudam-se no primeiro elemento. Colocam a tónica na pertinência de manter abertas as portas que, na voz de um poeta, Abril abriu. Aliás, vão mais longe. Acusam a parte contrária de querer tirar proveito da situação decorrente da pandemia porque, no fundo, não se revê no modelo democrático implantado pelo 25 de Abril de 1974.
Quanto aos opositores à realização da cerimónia oficial, baseiam a sua posição no facto de o poder político fazer questão de sair de casa para festejar na mesma conjuntura em que obriga, por lei, os cidadãos a permanecerem no calvário quarentenal. Lembram, ainda, que os portugueses, apesar de maioritariamente católicos, foram obrigados a comemorar a Páscoa no concelho de residência e com as igrejas fechadas.
Como se percebe, trata-se de mais um exemplo de diálogo de surdos. Por isso, tudo o que for dito e escrito corre o risco de apenas agradar a uma das partes ou colher o desacordo de ambas.
A meu ver, talvez tivesse valido a pena equacionar que Portugal continuará em confinamento pelo menos até ao início de maio e que a abertura visando o regresso possível à vida social e económica será faseada. Ora, ainda na vigência do estado de emergência, ocorrerá o Dia do Trabalhador, uma data habitualmente comemorada com cerimónias de rua que juntam muitos milhares de portugueses. Além disso, também o 13 de Maio, dia da tradicional peregrinação a Fátima, se aproxima a passos largos. Dois acontecimentos que na conjuntura atual não podem ser separados da decisão de celebrar, ainda que com um número mais reduzido de presenças e em ambiente fechado, o 25 de Abril.
Como irão reagir os habituais promotores das manifestações do 1º de Maio, especialmente a CGTP que acabou de estrear uma nova secretária-geral, mas que dificilmente abandonará a política reivindicativa de protestos na rua? Qual será o comportamento daqueles cuja fé não dispensa as celebrações na Capelinha das Aparições e nos dois Santuários?
Se a estas duas questões juntarmos o cansaço provocado pelo confinamento, sobretudo junto dos milhões que suspiram pelo regresso do futebol e pela chegada do tempo de praia, não parece abusivo concluir que a decisão oficial não contribuiu para criar um ambiente psicológico socialmente favorável à contenção comportamental.
Em suma, o 25 de Abril, malgrado alguns “inconseguimentos”, merece ser celebrado. O cancelamento não era aconselhável. Porém, como tempos de exceção exigem medidas excecionais, a cerimónia deveria ter sido repensada. A redução de presenças não se me afigura suficiente e a Assembleia da República não tem o monopólio de Casa da Democracia.