Falar da Covid-19 novo coronavírus já se tornou um lugar-comum. Não existe outro assunto de que se fale, não surge notícia que com ela não se relacione, nem sucede evento ou acontecimento que não se ligue à pandemia e aos seus efeitos.
A circunstância de nos últimos dois meses estarmos todos a lidar com esta doença e a curta duração do efeito da Covid-19 não implica, por si só, uma modificação de hábitos ou novos comportamentos. Nem haverá tempo suficiente para nos ambientarmos coletivamente a um novo código de conduta. Embora todos estejamos convictos dos efeitos nefastos do vírus em termos de saúde pública, bem evidenciados na necessidade de uma inédita declaração do estado de emergência ou na constatação dos efeitos, de tal forma dolorosos, que ultrapassam uma dimensão equivalente à pneumonia espanhola que lançou o terror há um século.
Em regime de transição de emergência para o estado de calamidade, tal não significa que o comportamento de cautela se possa reduzir, por mais oprimidos e incomodados que nos possamos sentir com o confinamento ou o distanciamento social.
O sentimento geral é de preocupação e pessimismo, que aliás o primeiro-ministro António Costa não se cansa de realçar, deixando o seu otimismo militante, quando precisávamos tanto do anterior sentimento, ainda que irritante. Situação evidente quando a proteção e o cuidado são traves-mestras do combate à epidemia, principalmente quando se lida com algo desconhecido e quando tantos e de tantas formas contribuem para a desinformação, seja por mera tontice ou profunda maldade.
Enquanto a economia definha e galgam as preocupações das famílias e empresas, tardamos em vislumbrar as saídas da concha da dúvida e da incerteza. Seja porque desconhecemos o tempo e a profundidade do vírus espalhado, seja porque a situação é nova e ninguém sabe como planear os momentos seguintes de saúde pública e a colar a economia em cacos.
A confiança é a chave do futuro. Contribui para voltarmos à nossa vida quotidiana corrente, para a qual todos nos dizem que regressaremos assim que houver uma vacina. E que tal nos fará voltar a acreditar que nos poderemos cumprimentar efusivamente, ir às comprar e ao cinema, regressar descansados a um restaurante, fazer férias, viajar ou ir à praia. Isto sem nos sentirmos um misto de criminosos e vítimas.
Mas neste período intermédio, a confiança não pode disparar para níveis incontroláveis ao ponto de provocarem comportamentos disparatados, compras compulsivas de artigos de luxo, como na China, ou o disparo de reservas de férias de portugueses e britânicos no Algarve já este verão.
O regresso à nossa vida como a conhecíamos poderá ser mais marcado pela corrida dos principias países, farmacêuticas e centros de investigação por esse mundo fora. Alemanha, China, Estados Unidos, Israel, Reino Unido ou Suíça anunciam estar já em fase de testes em seres humanos, havendo quem anuncie que irá dispor, dentro de quatro a cinco meses, de uma solução para vacinar em massa. Quem primeiro chegar, ganhará prestígio, reconhecimento e fortuna. Esperemos que também sirva para curar.
Neste quadro, não podemos aceitar como boa a declaração para o dia seguinte de uma nova normalidade, que nos prometem cheia de distanciamento, incerteza ou receio de adoecer. As cautelas que todos devemos adotar têm de ser conscientes, assumidas e lembradas. Os nossos comportamentos nos próximos meses serão, e devem ser sempre, uma anormalidade. Inesperada, indesejada e breve, mas anormal.