Para além do facto, aliás tristemente óbvio, de terem morrido pessoas, há mais denominadores comuns entre a tragédia de Entre-os-Rios, o grande incêndio de Pedrógão e agora as mortes nos lares de idosos por causa da Covid-19. O primeiro denominador e o mais óbvio é a fulanização da situação.
Num exercício de pão e circo, talvez para distrair do essencial, perante a ocorrência de tragédias, procura-se sempre e a todo o custo encontrar um putativo responsável. Assim ocorreu em Entre-os-Rios, assim sucede nos dias de hoje em relação a Pedrógão e assim ocorrerá, tudo indica, quando a poeira assentar, relativamente às mortes ocorridas em muitos lares por esse país fora.
Muitos familiares de idosos, vítimas do novo coronavírus que faleceram em lares, quererão sindicar até que ponto tais locais tomaram as medidas adequadas a evitar a propagação da doença junto dos seus entes queridos. Motivações haverá de várias naturezas. Mas a sindicância será feita. E serão entregues responsáveis.
Outro denominador comum é sempre o estrondo de um processo judicial, para o qual é convocado o arsenal penal dos crimes de perigo comum: a ação criminosa negligente é a criação do próprio perigo; as consequências verificadas são apenas tidas em consideração para efeitos de agravação em função do resultado. Os apontados perigos, esses, podem ser de variada ordem: falta de vistorias técnicas, furto de areias, deficiências no corte de vegetação à beira das estradas, ausência de planos florestais, não adoção, por responsabilidade do agente, das melhores práticas sanitárias destinadas a prevenir o contágio.
Questão relevante – e aqui se começa a desenhar mais um possível denominador comum –, é que a noção de conduta negligente está longe de ser unívoca. A negligência, enquanto falta do cuidado devido que o caso recomenda, depende, desde logo, do investimento que foi realizado na atividade em causa, no grau de formação/informação que foi dado ao agente e dos meios que este tinha à sua disposição para adotar a conduta supostamente recomendável.
Pois bem, o terceiro denominador comum a todas estas tragédias chama-se abandono. Abandono de investimento nas infraestruturas rodoviárias, abandono de uma política florestal consistente, abandono de um programa sério e digno para a terceira idade que, sem voz ativa, não resgata votos, não faz greves, nem se organiza em sindicatos.
Aparentemente as pontes só são lembradas quando caem, as florestas quando ardem e os velhos quando morrem. E neste particular, o mesmo Estado que, castigador, procura sempre apontar o dedo a responsáveis, teima, também sempre, em fugir à discussão séria do assunto e a deixar-se sentar no banco dos réus.