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Retoma da economia traz novos desafios ao país

Endividamento e tesouraria das empresas portuguesas encontram-se entre as principais fragilidades apontadas pelos analistas. Apesar da quebra provocada pela pandemia de Covid-19, o setor do turismo pode surpreender.
Lisboa, Portugal
30 Maio 2020, 15h05

Portugal prepara-se para entrar na terceira fase do desconfinamento devido à pandemia do novo coronavírus, no final deste mês. Os alertas das autoridades de saúde são para que o nível de cautela e prevenção se mantenha, mas o fim da paralisação das atividades promete trazer algum ânimo à economia, ultrapassado que está o confinamento total no mês de abril.

A maioria das instituições internacionais e nacionais prevê uma severa contração da economia portuguesa este ano, seguindo a tendência mundial, com uma recuperação em 2021. A dimensão do tombo é ainda uma incógnita (ver infografia), mas os analistas consultados pelo Jornal Económico (JE) realçam a incerteza em torno das componentes do PIB que têm dado gás ao crescimento económico nos últimos anos.

“Para já creio que é cedo demais para fazer grandes exercícios de futurologia relativamente ao impacto na economia, porque ainda está muito dependente do que se vier a verificar nas próximas semanas em termos do impacto do abrandamento do confinamento nas variáveis epidemiológicas”, assinala Pedro Brinca, professor de Macroeconomia na Nova School of Business and Economics, em declarações ao JE. O economista realça que até ao momento a performance da economia portuguesa “está relativamente em linha com o que se tem observado no resto da Europa”, considerando que qualquer “diferença de um ou dois pontos percentuais será de muito reduzido significado pelo facto da incerteza enorme que norteiam estas estatísticas”.

O Banco de Portugal (BdP), que no último Boletim Económico estimava num cenário base uma redução de 3,7% do PIB este ano e de 5,7% num cenário adverso, explica ao JE que a pandemia está a representar dificuldades acrescidas à construção das projeções macroeconómicas. “A situação atual não tem precedente histórico recente e caracteriza-se por um elevado grau de desconhecimento relativamente ao impacto económico da pandemia”, refere.

Por um lado, os canais de transmissão da pandemia combinam efeitos relacionados com as decisões de oferta e procura na economia, diz, vincando que “estes efeitos interagem e reforçam-se mutuamente”. Se pelo lado da oferta “sobressaem a redução do tempo de trabalho por motivo de doença, de assistência à família ou de quarentena, bem como a potencial destruição de capacidade produtiva decorrente do encerramento de empresas ou da quebra de cadeias de valor a nível global”, do lado da procura há também impactos. “Destaca-se o adiamento de despesas de consumo e investimento, num quadro de incerteza exacerbada e de aumento da aversão ao risco dos agentes económicos”, exemplifica, apontando como exemplo “a elevada volatilidade e o aumento de aversão aos riscos visíveis nos mercados financeiros” que também se podem repercutir em condições de financiamento mais restritivas para as famílias e empresas. “O facto de a pandemia ser sincronizada e generalizada a um grande número de países tenderá a acentuar a queda da atividade económica, por via do colapso nos fluxos de comércio mundiais, com destaque para o turismo”, considera.

O turismo que tem sido um dos motores do crescimento económico em Portugal deverá ser uma das áreas mais afetadas. Ao JE, Pedro Braz Teixeira, diretor do gabinete de estudos do Fórum para a Competitividade, alerta que a desaceleração deste setor “será um travão à retoma”.

Apesar de reconhecer que os custos fixos de capital se tornam um obstáculo à viabilidade de muitas empresas do ramo hoteleiro se sujeitas a um período alargado em que não operando, Pedro Brinca mostra-se ligeiramente mais otimista.

“Acho que o facto de, até ver, termos sido menos afetados em termos de saúde pela pandemia e por Portugal ter granjeado uma reputação na Europa de estar a lidar com a questão na perspetiva sanitária de forma exemplar, pode levar a que o turismo, especialmente o de maior valor acrescentado e com maior peso dos turistas mais velhos, possa ter uma performance melhor do que em países como Itália e Espanha, que são nossos concorrentes”, diz o professor da Nova SBE. Para o economista, Portugal tem-se preparado neste segmento nos últimos anos, “tendo nós neste momento das melhores infraestruturas, humanas e materiais, no segmento do turismo de alto valor acrescentado”.

 

Endividamento continua a ser uma fragilidade
Pedro Braz Teixeira considera que “a economia portuguesa tem, à partida, poucos pontos fortes”, apontando entre as principais fragilidades “um tecido empresarial fragilizado, pouco capitalizado, com demasiadas microempresas, onde se concentra quase metade do emprego”.

“Em termos de mão-de-obra, continuamos com os mais baixos níveis de formação, ainda que haja bolsas de excelência, capazes de atrair Investimento Direto Estrangeiro (IDE)”, acrescenta.

Neste sentido, defende que “não podemos ficar passivamente à espera que a recuperação aconteça”, apelando a que “o governo seja extremamente pró-ativo”, quer “intervindo em todos os bloqueios ao IDE”, quer “aproveitando a vaga de reindustrialização da Europa que se avizinha”.

“Se Portugal não fizer nada, o mais provável é que o novo investimento industrial na UE aconteça nos países de Leste, que já antes da pandemia o conseguia com grande sucesso”, afirma.

Para Pedro Brinca, “a maior fragilidade é a questão dos elevados índices de endividamento das empresas e do Estado”, que se agrava devido à predominância das PME no tecido empresarial português, o que torna “as questões de disrupção da tesouraria bem mais prementes, uma vez que empresas mais pequenas estão tipicamente mais expostas a choques de fluxos de caixa”.

“A questão da (limitada) capacidade orçamental do Estado também é importante. Outros Estados com melhor situação orçamental estão com capacidade de dar apoios mais substanciais às suas empresas neste contexto – quando em situações normais seriam impedidos pelas normas europeias. Isto pode levantar problemas complicados de competitividade na retoma”, acrescenta.

O BdP realça que “após um período de significativa paralisação da atividade económica como a que se observou durante o estado de emergência, o regresso à normalidade requer o restabelecimento de uma teia complexa de interações económicas”.

“A recuperação deverá ocorrer de forma lenta num contexto muito incerto. Os processos de produção e os padrões de consumo continuarão a ser afetados por medidas de segurança sanitária. A incerteza e a insegurança tenderão a traduzir-se num adiamento de decisões de despesa. As perspetivas relativas a quebras de rendimentos das famílias e das empresas também condicionam o perfil de recuperação do consumo e investimento”, diz o regulador, ainda que considere que “no curto prazo, pode haver algum impacto positivo do fenómeno de pent-up demand.

 

Necessário adaptar modelos de projeções
A evolução da pandemia e a alteração de medidas de contenção e mitigação têm levado à alteração dos pressupostos dos exercícios de cálculo sobre o impacto que terá na economia, cujos modelos estão também tradicionalmente associados a estabilidade no comportamento dos agentes, o que não acontece no atual contexto.

“Neste contexto, temos recorrido a novos métodos de previsão da atividade económica, conjugando os instrumentos mais tradicionais do lado da despesa, com uma abordagem no curto prazo na ótica da produção dos diversos setores de atividade”, explica o BdP.

O regulador diz que utiliza “novas fontes de dados, de maior frequência e disponíveis mais atempadamente, onde merece destaque o inquérito às empresas lançado recentemente pelo Banco de Portugal em parceria com o INE (Inquérito Rápido e Excecional às Empresas)”, assinala, indicando que acompanha também as séries diárias relativas a movimentos com cartões nacionais e estrangeiros em ATM/POS, vendas de automóveis, consumo de eletricidade e gás, bem como de diversos indicadores de mobilidade, “para aferir da conjuntura económica em tempo real”.

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