Ser português, na actualidade, é ganhar um bilhete para um espectáculo de stand-up comedy com hora marcada e direito a sucessivas repetições nos telejornais, cujos principais intervenientes são os órgãos de soberania.

Ainda sob o espectro da pandemia – a qual, após o apoio do Estado aos órgãos de comunicação social, deixou de ser tão grave – fomos passivos destinatários de um orçamento que foi defendido por um ministro que já não o é. As medidas que o integram perderam o protagonismo face à anunciada demissão, como, presumo eu, era suposto.

Se nos perdermos a discutir a forma não chegaremos à substância e, entre risos e promessas de mundo melhor, o caminho surge traçado, sem que tenhamos tido a real oportunidade de o decidirmos. Penso que faz parte do show dar-nos a sensação de que a nossa opinião conta quando, na verdade,  somos meros peões, a fazer um percurso previamente programado.

Assim, em vez de andar o discutir o futuro de Centeno, tópico escolhido por grande parte da comunicação social, prefiro pensar naqueles que, estando até à pandemia, numa situação de precariedade, ficaram numa situação apocalíptica depois do confinamento. Deste modo, a pergunta que entendo dever ser feita é o que se pensa fazer quanto a estas pessoas e como é que se vai responder a esta situação de emergência social. Mais ainda: da propaganda que nos chega diariamente, quais são os apoios que serão, de facto, prestados e quando, já que, parte do que o Governo anuncia se perde na tradução para a lei.

O que sucedeu na Casa da Música, no Porto, longe de se tratar de uma situação excepcional, é um símbolo do que está a suceder – e, obviamente, já sucedeu – a muitas outras pessoas, desprovidas de um momento para o outro da sua fonte de rendimento e sem que o Estado cumpra a sua função. É, diga-se muito claramente, o caso dos advogados, a classe mais desprotegida durante a pandemia.

Podemos fingir que o problema não é nosso. Podemos, até, tentar ignorar que está a acontecer e continuar a agir como se nada fosse, entretidos com o destino de alguém que, como é evidente, já está traçado. É o que, por norma, fazemos até nos bater à porta e percebermos que foi o nosso futuro o atingido e que estamos sós.

É certo que o nosso cenário está longe de se assemelhar à guerra que inspirou o filme que serve de título a estas linhas. Contudo, muitas vezes, a única forma de conseguirmos manter alguma sanidade mental é surfarmos as ondas, como aqueles soldados fizeram, ainda que sintamos o fogo de perto. Mas não o podemos deixar de fazer de olhos abertos e atentos, em vez de nos limitarmos a aceitar o prato que nos dão. Noutras, tal como no belíssimo filme, a única vitória possível é aguentarmo-nos no telhado de zinco quente o maior tempo possível.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.