O título não é meu, é da “Economist” de 3 de fevereiro, mas é muito ilustrativo daquilo que considero, em grande medida, ser um dos piores males da Europa.
Os governos nacionais estão sistematicamente sujeitos a “berros”. Têm os partidos da oposição à espera de qualquer erro ou deslize (às vezes até inventam alguns), têm os sindicatos, as ordens profissionais, as organizações patronais, etc. Todos a olharem para interesses específicos e cada um com a sua perspetiva sobre certo e errado, “do’s e dont’s”.
Um governo nacional que tivesse gerido o processo de aquisição e distribuição das vacinas com a inépcia europeia estaria agora pelas ruas da amargura.
A história começou, aparentemente bem. Uma Europa unida, solidária com uma sorridente Ursula von der Leyen, anunciava a negociação da compra e a subsequente repartição das doses pelos vários Estados-membros. Esta solução dava-nos força para negociar, para conseguir volume e rapidez e para ninguém, sobretudo os pequenos, ficarem para trás.
Para um país como o nosso a solução parecia ideal. Mas a realidade da máquina burocrática europeia, sem oposição e sem crivo político, sobrepôs-se rapidamente ao ideal inicial.
Os números são avassaladores: em meados de fevereiro a União Europeia (UE) e Portugal tinham menos de 10% da população vacinada. Os Estados Unidos estavam a ultrapassar a barreira dos 10%, o Reino Unido (RU) a dos 20% e Israel a dos 50%.
A 9 de maio, a UE (e Portugal com números quase iguais) não tinham chegado aos 30%, os Estados Unidos ultrapassavam os 45%, o RU os 50% e Israel atingia cerca de 65%.
A Europa civilizada, unida e produtora de vacinas continua longe, muito longe, de números aceitáveis e compara muito mal com os exemplos citados. Em particular, com o “mal-amado” Reino Unido dando alguma força aos advogados do Brexit.
A Comissão demorou meses a assinar os contratos de compra das vacinas. Misturou, numa negociação interminável, a burocracia de Bruxelas com a austeridade alemã. Negociou cêntimos num processo em que a motivação financeira devia ser o último argumento. Depois, perante a dificuldade de fornecimento da AstraZeneca a reação foi desadequada e muito pouco eficaz.
Em bom rigor, a responsabilidade, mais do que da Comissão ou da Sra. Von der Leyen é dos vários governos. Eles é que delegaram na Comissão e eles é que escolheram a presidente desta mesma comissão.
Uma escolha que desde o início não trazia bons prenúncios: assegurou a pasta da defesa no governo de Angela Merkel com enormes críticas, e foi uma escolha de último recurso depois de dias de negociações intermináveis e com uma maioria muito apertada. Mas ao delegarem nela, os governos isentaram-se de parte das responsabilidades, evitaram críticas e barulho sobre uma solução que, a ser deles, teria sido destruída pelos opositores.
O preço a pagar por esta trapalhice está a ser caro. Com muitos países ainda a gerirem números preocupantes de infetados. Com uma imunidade de grupo que não chega, e com uma Europa a meio gás, com repercussões económicas incalculáveis. E nós, cidadãos europeus zangados com esta situação, protestamos, mas infelizmente ninguém nos ouve berrar na Europa!