Como não poderia deixar de ser, a aparente designação do professor Mário Centeno para o cargo de próximo governador do Banco de Portugal está a gerar algum debate. Não se trata de uma nomeação para um banco qualquer, mas para o regulador prudencial e comportamental do sector bancário.
Por isso, não colhe, à laia de invocado precedente, o argumento de que anteriormente responsáveis das finanças (ministros ou secretários de Estado) transitaram directamente do Governo para o Banco de Portugal. Tradições nefastas e contrárias ao bem comum não podem servir para que tudo fique na mesma.
Vale a pena comparar o processo de escrutínio de um candidato a presidente de um município, com um de governador. Indicado por um partido, tem que se sujeitar a um processo de seleção, quais primárias locais. Indicado por um grupo de independentes, o desafio ainda é maior. Não acaba aqui. Uma vez candidatos, começa o processo de escrutínio profissional e moral do candidato. Todo o seu percurso é avaliado pelos cidadãos e pela comunicação social. Um processo que começa antes da campanha, e se prolonga, no mínimo, até ao dia de ida às urnas. E, depois, uma vez eleito, terá um mandato de apenas quatro anos, onde voltará a ser avaliado em eleições. Processos concorrenciais, intenso escrutínio, possibilidade de não renovar por derrota eleitoral.
E que dizer do processo de seleção de um reitor para uma universidade pública? Concurso internacional, avaliação curricular, entrevistas de um júri, culminando tudo numa votação dos seus futuros colegas. Abertura, transparência, possibilidade de qualquer português ou estrangeiro se candidatar.
Aqui nesta coluna temos dado nota da nossa estupefacção pelo facto de alguns bancos, felizmente cada vez menos, terem vindo a apresentar nomeações para os seus conselhos de administração que causam a máxima preocupação. Pela impreparação técnica, comportamental e notória ausência de experiência de tais executivos. E porque os bancos são empresas sistémicas, criadoras de moeda e de crédito, fundamentais para o tecido económico nacional, as más escolhas dos grandes accionistas tendem a tornar-se perdas para os trabalhadores bancários, para os pequenos accionistas, para os contribuintes e, potencialmente, para os detentores de obrigações e para os clientes.
Não está em causa a provável competência do professor Centeno. Nem o quanto a nação possa, ou talvez deva estar-lhe grata. Mas porque o cargo de governador do Banco de Portugal é tão susceptível, no exercício de seu mandato longo (demasiado longo?) de trazer grandes danos para o erário público, ou um impacto assimétrico de perda ou retenção de centros de decisão em Portugal, para citar apenas algumas das consequências das decisões de governadores neste milénio, que não deveria bastar ser amigo do primeiro-ministro. Do actual ou de qualquer outro.
O governador não deveria ser menos que um qualquer reitor. Porque o potencial impacto das suas decisões é imenso, e será pago pelas gerações vindouras em caso de erro. Concurso internacional, entrevistas públicas, avaliação pelo Parlamento e pela comunicação social. Era assim que deveria ser. O mérito do governador deveria ser inquestionável.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.