Não me tenho cansado de escrever sobre o papel histórico dos bancários na afirmação de uma classe média instruída, competente e profissional, consciente dos seus deveres e direitos cívicos, a quem a democracia e o desenvolvimento económico e social tanto devem.
Vem isto a propósito da recuperação de créditos bancários. Como é sabido, mas vale a pena relembrar, a quase falência da República Portuguesa implicou a aceitação de soluções draconianas de austeridade e de alienação de activos, de forma a satisfazer os credores estrangeiros. Veio a representação física dos credores, sob a forma dos empréstimos de emergência tutelados pela troika e com ela um violento sufoco sobre a capacidade creditícia dos bancos a operar em Portugal. Novos critérios de liquidez, de provisões e de capitais próprios, forçaram os bancos a encolher os seus balanços, reduzindo crédito concedido às empresas com isso agravando a política de austeridade e a recessão que se seguiu.
E porque a memória tende a ser curta, importa recordar que foram os credores que impuseram as condições e fizeram de Portugal, do Chipre e da Grécia um laboratório das suas experiências. Para mal dos cidadãos destes três países, convém deixar claro.
Os bancos ficaram com uma montanha gigante de créditos incobráveis, e entre execuções de garantias, dações em pagamento, entre outras, foram forçados a alienar, depressa, um imenso património imobiliário e mobiliário. Este exercício depressa se percebeu que seria elaborado com preços deprimidos e que os fundos abutre aproveitariam a oportunidade. Abutres porque se limitaram a aproveitar da desgraça alheia, porque não trouxeram tecnologia, e porque procederam a uma gigantesca transferência de riqueza de agentes económicos portugueses para terceiros.
Contudo, fruto das decisões políticas e dos compromissos assumidos pelo Estado português no desfecho dos bancos BPP, BPN e Banif, constituiu a República três entidades, a saber: BPP em Liquidação; Parvalorem e Oitante. Comum a todas estas empresas a preservação de valor, o tratamento profissional e a ausência de conflitos de interesses. Tudo feito por bancários!
Quando se percepciona que a crise desencadeada pela Covid possa ter impactos severos sobre as carteiras de imparidades dos bancos, seria de elementar prioridade e bom senso robustecer as três entidades supracitadas, com provas dadas.
A acontecer que o poder político queira liquidar estas empresas de recuperação de créditos, despedindo pessoas e alienando carteiras, é um desfavor para os contribuintes, os cidadãos e os bancários. E cujo aproveitamento vai parar a fundos abutre, sitos em jurisdições opacas, que não pagam impostos ou criam emprego. Será que vamos cometer os mesmos erros, outra vez?
Tem a palavra o senhor ministro das Finanças.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.