Pelo título, poder-se-ia pensar que o artigo se debruçaria sobre uma temática religiosa. Na realidade, ele está longe de abordar um “tema católico”. Nos últimos dias, a Covid-19 passou para segundo plano no nosso país, algo que já não acontecia há uns meses.
O “mérito” desta marginalização da pandemia fica a dever-se a duas personalidades mediáticas que têm alguns aspetos em comum: Jorge Jesus, o famoso JJ ou mister, como é mais conhecido em Terras de Vera Cruz, e Cristina Ferreira, uma das mais populares apresentadoras da televisão portuguesa.
Na semana que passou ficou a saber-se que JJ regressaria ao Benfica, tendo até direito a ser transportado em avião privado pelo presidente do maior clube português, e que Cristina Ferreira voltaria à TVI, a sua casa mãe, abandonando a SIC, onde tinha chegado cheia de projetos e ambições há pouco mais do que um ano.
Vários são os aspetos que ligam estas transferências mediáticas. Trata-se de duas pessoas que, ainda há não muito tempo, haviam trocado os locais para onde agora regressam, por projetos que lhes asseguravam uma remuneração bem mais atrativa, em concorrentes direitos.
No caso de JJ, a saída do Benfica, há cinco anos, fez correr muita tinta, com o treinador a abandonar a nação benfiquista para se mudar, de armas e bagagens, para o rival do outro lado da segunda circular, ao qual fez, de imediato, juras de amor eterno. No caso de Cristina Ferreira, a mudança, há pouco mais de um ano, foi igualmente mediática, abrindo portas ao pagamento de verbas até então desconhecidas no seio das televisões nacionais e atirando a SIC para uma liderança sustentada de audiências, que contribuiu para o eclipsar da sua concorrente TVI, da qual a estrela da TV saiu depois de 15 anos de colaboração.
A forma como ambos saíram de projetos que os lançaram para o estrelato (JJ era um treinador mediano antes de abraçar o projeto no Benfica e Cristina Ferreira uma quase desconhecida antes da projeção que a TVI lhe conferiu) fazia prever que jamais lhes seria estendida uma passadeira para o regresso, tais as mágoas que ficaram e a traição que havia sido praticada. Puro engano.
Cinco anos, num caso, e ano e meio, noutro, foram suficientes para que os traídos perdoassem aos traidores e lhes franqueassem novamente a porta principal, apostando no seu regresso e ignorando os litígios passados, as palavras amargas trocadas e as juras de amor efetuadas aos rivais.
Também em comum têm, JJ e Cristina Ferreira, o facto de serem pessoas que singraram na vida pelo seu trabalho, considere-se que este tem, ou não, qualidade. Vindos de situações familiares modestas, souberam subir a pulso e dispõem hoje de uma condição económica invejada por muitos portugueses, sendo, pode dizer-se, ricos e famosos.
Certo que se pode questionar como é possível, num país pobre, com amplas carências socioeconómicas, pagar-se uma verdadeira fortuna a um treinador de futebol e a uma apresentadora de TV, os quais recebem num mês mais do que o salário anual do Presidente da República, do primeiro-ministro, de um juiz do Supremo Tribunal ou de um professor catedrático.
No entanto, o mercado tem desígnios dificilmente sondáveis, pelo que nos resta pensar quão injusto é o mundo onde duas pessoas sem especiais pergaminhos são capazes de auferir milhões de euros de salário anual.
Ora, este é, exatamente, outros dos pontos em comum entre JJ e Cristina Ferreira. Depois de terem sido capazes de, ainda há pouco tempo, se vender por 30 dinheiros, qual Judas Iscariotes em relação a Jesus Cristo, regressam, agora, à casa de partida pelo dobro das moedas de prata, que os traídos aceitaram pagar pelo seu regresso.
Assim como Judas se vendeu, comprometendo a confiança, a amizade e lealdade de Jesus Cristo, também JJ e Cristina Ferreira, fizeram, já mais do que uma vez, tábua rasa dos princípios, na mira de alcançarem ganhos milionários ao alcance de muito poucos, embora tenham, numa tentativa de” tapar o sol com a peneira”, para usar a expressão brasileira que bem retrata a situação, invocado os sentimentos que ainda os liga a projetos onde foram felizes e as perspetivas de poderem concretizar objetivos profissionais e pessoais que dificilmente realizariam nos locais que abruptamente abandonaram.
Duas notas finais, mais preocupantes para JJ do que para Cristina Ferreira, porque o Futebol vive bem mais das contingências e depende, em última análise, de uma bola entrar numa baliza ou bater na trave, sendo bem fácil um treinador passar, em pouco tempo, de bestial a besta (que o diga Bruno Lage).
Primeiro, a memória das pessoas é curta apenas quando as coisas correm bem, sendo bem mais “de elefante” quando o projeto não corresponde às expectativas. Segundo, não é fácil pessoas inconstantes, que trocam de “equipa” (seja desportiva ou televisiva) como quem troca de camisa, merecerem a confiança dos empregadores, os quais as contratam para obterem resultados, mas facilmente as dispensam na sua ausência.
Jesus e Ferreira não terão, pois, no seu regresso a casa uma viagem sem espinhos, sendo de esperar que, ao primeiro insucesso, sejam questionados e lhes seja apontado o dedo tanto pelo que fizeram no passado, como pelo que não conseguiram fazer no presente.