Após um longo período de relutância, Donald Trump aceitou apresentar-se em público usando máscara. Aliás, até foi mais longe ao aconselhar o uso desta forma de proteção em determinadas circunstâncias. Uma alteração que se saúda, mas que tem mais a ver com a situação difícil em que se encontra para lograr a reeleição do que com o número crescente de infetados e mortos no país que lhe calhou (des)governar.
De facto, a cerca de 100 dias do ato eleitoral, Trump sabe que o seu nível de aceitação em alguns dos swing states está longe de lhe garantir novo mandato. Dito de outra forma: estados que em 2016 caíram para o seu lado parecem inclinados desta vez para o candidato democrata, circunstância a que não é alheia a posição presidencial face à pandemia.
Na primeira semana de novembro, o sistema eleitoral maioritário, com exceção de dois pequenos estados, fará com que o vencedor eleja todos os representantes, qualquer que seja a dimensão da vitória. Por isso, Trump sabe que não se terá de preocupar com os estados que constituem o bastião republicano e que não vale a pena apostar nos tradicionais redutos democratas, pois só alcançará a reeleição se conseguir a quase totalidade dos swing states, designadamente dos seis estados onde venceu ou foi derrotado por menos de 2%.
Há quatro anos foram pouco mais de cem mil votos em três estados – Michigan (16 delegados), Wisconsin (10) e Pensilvânia (20) – que acabaram por fazer toda a diferença, de nada valendo a Hillary Clinton, no cômputo geral, ter recebido mais votos do que Trump. Convém recordar que nos EUA não existe um círculo nacional e, por isso, já se verificaram quatro situações em que o presidente eleito recebeu menos votos do que o seu opositor.
Voltando ao impacto do coronavírus na eleição presidencial norte-americana, a postura inicial de Trump foi no sentido de desvalorizar por completo a ameaça. Colocou o enfoque na economia e tratou a Covid-19 como se de uma gripezinha se tratasse. Zangou-se com quem o quis chamar à realidade ao recusar-se a ouvir os peritos. A reação habitual de um populista que, uma vez chegado ao Poder, julga ter o monopólio da razão.
Depois foi procurando criar subterfúgios para ancorar a sua posição. Outra das habituais estratégias populistas. O coronavírus passou a ser o vírus chinês e os apoiantes do populismo identitário ou cultural aplaudiram. Retirou os EUA da Organização Mundial da Saúde e os nacionalistas concordaram. Só que o vírus não demorou a colocar em causa a estratégia populista de Trump. Num país sem serviço nacional de saúde, as medidas de proteção sanitária tomadas no mandato de Obama revelaram-se insuficientes para controlar a pandemia.
A três meses de serem chamados às urnas, os cidadãos norte-americanos veem-se confrontados com mais de três milhões de infetados e cerca de 150 mil mortos. Um inferno que Trump continua a desvalorizar, ainda que num tom menos arrogante.
Em Portugal, no período do Estado Novo, alguns mortos votavam. Nos EUA, na conjuntura atual, muitos mortos irão votar, ainda que de forma indireta. É provável que a máscara de Trump esteja como a vacina contra o coronavírus. Para muitos, chegou tarde de mais.