1 O futebol é uma grande indústria portuguesa. No anuário relativo a 2018/19, divulgado esta semana pela Liga de Clubes, estão lá os números. Representa, pelo menos, 0,27 do PIB nacional. Contribui com 150 milhões de euros para a autoridade tributária. Gera 2.621 postos de trabalho diretos.

A pandemia terá feito baixar o volume de negócios em 136 milhões de euros, mas essa contabilidade, infelizmente, está longe de ser a definitiva. Falta testar como se comporta o mercado de transferências e perceber se o público regressará rápido aos estádios. É como em todos os sectores: veremos.

Um dia será possível, ainda, calcular o impacto indireto do futebol na economia. O que nunca será calculável é a sua riqueza imaterial. Não há instrumentos que permitam chegar a um número que defina a felicidade das pessoas perante algo aparentemente tão pueril quanto fantástico de um triunfo da seleção num Europeu de futebol. Aquelas imagens de 2016, que a partir de Paris colocaram Portugal em festa, serão inesquecíveis por muito tempo. Até à próxima celebração, seja ela geral, devida à seleção, melhor dizendo, seleções, porque os triunfos das equipas da FPF têm muitas dimensões; ou particular, sendo estas as dos clubes.

 

2 Por muitas razões, faz sentido estar atento a tudo o que possa contribuir para atentar contra a boa imagem desta indústria. Talvez por isso tenha sido bastante notada a decisão das televisões SIC e TVI de darem por terminados os ciclos dos programas alimentados por adeptos que discutiam como se estivessem nas bancadas sob os efeitos da alienação mais demencial.

Sinceramente, não dou muita importância ao caso. Outras televisões levantarão o estandarte desses programas de baixos custos e boas audiências, absolutas ou relativas. Haverá sempre indivíduos disponíveis para a alarvidade e para a falta de respeito por si mesmos. E as próprias televisões, como se sabe, têm ciclos de toxicidade variáveis e muito próprios. Denunciá-los ou criá-los faz parte de estratégias normais de gestão e receitas.

 

3 Prefiro destacar, por isso, o pedido de processo de inquérito à SAD do Feirense que a Liga endereçou esta semana ao Conselho de Disciplina da FPF. Em causa está uma eventual incompatibilidade: o líder daquela SAD, Kunle Soname, será também dono de uma casa de apostas em África, a Bet9ja. E tudo o que possa beliscar o bom nome da indústria tem de ser combatido, investigado.

Os interesses devem ser mantidos nos carris próprios. As mesmas pessoas, ou famílias, não podem estar ao mesmo tempo nas apostas, nos negócios e terem participações qualificadas em SAD. É incompatível.

Creio, aliás, que alguém já deveria ter dado igualmente o devido valor às repetidas insinuações públicas do presidente do Aves-clube, António Freitas, a propósito da suspeita conduta dos representantes do capital chinês que levaram ao descalabro da SAD do Aves.

Toda a gente já percebeu que António Freitas desconfia que houve interesse em atirar com o Aves para fora das competições profissionais porque isso indiretamente iria beneficiar, como beneficiou, uma outra SAD detida por capital chinês que estava à beira de sair dessas mesmas competições profissionais, a do Cova da Piedade. É uma questão para o Ministério Público saber se, por insondáveis mistérios de empresas em cascata, tudo isto é, ou não, verdade.

 

4 A Liga de Clubes faz muito bem, por isso, em pedir, como pede, mais e melhores instrumentos ao Governo para poder certificar os “investidores” que chegam em catadupa ao Ocidente, e a Portugal também, oriundos de zonas do mundo em que o dinheiro parece não custar a ganhar. O problema da lavagem de dinheiro e do ‘match fixing’ é bem real, ameaça as competições desportivas de forma global. E o futebol replica em todos os países a importância que tem entre nós. Há que o vigiar, manter limpo e à altura da importância perante a alegria (imaterial) dos adeptos e o interesse (bem material) da economia, do emprego. É disso que também se fala quando se fala de futebol.