O relato financeiro é indispensável à estabilidade e solidez do sistema financeiro, contribuindo para o aumento da confiança no correto funcionamento da economia (facto). A prática de auditoria ao relato financeiro tem como missão proteger os vários agentes do mercado – os stakeholders (facto). O processo de relato financeiro culmina na produção de informação para esses stakeholders, nos quais nos incluímos enquanto investidores, clientes e contribuintes (facto).
Se assim é, por que razão não consumimos esta informação, que foi produzida para nós, em prol do nosso direito à transparência de informação financeira? Respondendo com uma pergunta: já leram um conjunto completo de demonstrações financeiras e ficaram imediatamente elucidados, confiantes e clarividentes sobre a saúde financeira da entidade?
Provavelmente não. A crescente complexidade, as numerosas nuances e jargões que caracterizam os serviços financeiros têm afastado o produto final dos potenciais beneficiários da informação financeira.
Num contexto em que restabelecer a confiança no mercado é uma missão quase patriótica, urge democratizar o reporte financeiro, em prol de uma sociedade mais bem informada, acabando com esse fosso que nos impede de participar ativamente num sistema que foi feito para nós.
Temos testemunhado significativos progressos noutras áreas através de um maior envolvimento, interesse e escrutínio público, desde a qualidade dos alimentos que consumimos à sustentabilidade da estratégia das organizações. Mas como pode haver interesse e clareza sobre um produto extenso, complexo e de linguagem inacessível para o stakeholder comum?
Julgo que é tempo de abraçar o desafio de redefinir a atual framework de comunicação, de modo a que o relato financeiro possa espelhar de forma mais clarividente e atempada a situação financeira da entidade, com vista ao aumento da proximidade ao stakeholder. Naturalmente, este caminho não pode ser percorrido de forma unilateral, ou não fosse este um dos setores com maior carga regulatória, com tendência a aumentar. Já para não falar do desafio subjacente a todos os conceitos – o de encontrar um modelo economicamente viável. E é aqui que podemos ganhar algum otimismo se pensarmos na tecnologia como um aliado neste desafio.
Numa época em que reinam as estratégias centradas no cliente (customer centricity), a atual abordagem de reporte de um produto único para satisfazer todos os clientes merece ser desafiada. Nem todos estão interessados em toda a informação disponível, mas quase toda a informação disponível é do interesse de alguém. Há, portanto, trabalho a ser feito na customização da informação de forma a que seja simples e atrativa, por forma a ganhar destaque no dia a dia veloz dos stakeholders.
Para além do ‘fato à medida’, as expectativas do mercado são no sentido de obter informação em tempo real, o que pressupõe uma divulgação e um assurance contínuo em contraste com os atuais ciclos anuais e bianuais de reporte. Neste sentido, é importante tirarmos partido das vantagens subjacentes às técnicas de automação para acelerar o processamento de dados, bem como do data analytics para compreender modelos de negócio cada vez mais complexos, de forma cada vez mais rápida. Mas não subestimemos os esforços de coordenação e os custos que esta abordagem de customização acarreta, pelo que faz sentido procurar oportunidades de baixar outros custos na cadeia de produção de informação. Um bom exemplo disso é a concertação de formatos uniformes de dados (como são exemplo os reportes XBRL), aliviando carga na troca de informação entre os diferentes agentes nesta cadeia (regulador/entidade/auditor).
Não ambicionando ser exaustiva num artigo desta natureza, concluo com a convicção de que um upskill ao nível do relato financeiro pode trazer a clareza necessária a um mundo cada vez mais repleto de dualidade de leituras e opiniões, a clareza necessária para distinguir em quem devemos confiar o nosso investimento, e atingirmos assim a verdadeira liberdade de escolha.